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cheia

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22
Dez22

A sedutora

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Lisboa! A sedutora

9

Um bonito horário, bem emoldurado, na parede estava pendurado, onde se podia ler: horário de trabalho, entra às 9 horas, sai às 13, entra às 15 e sai às 19

Na realidade entrava às 5 horas, 5,30 ou 6, dependia da hora a que o patrão acordava e da quantidade de produtos que precisava de comprar na Praça da Ribeira e no mercado da fruta

Dormia na parte de trás do estabelecimento, num divã, num espaço, onde também funcionava a cozinha, tinha entrada pelo estabelecimento e pela serventia do prédio

Na adormecida madrugada, o patrão dava duas pancadas na porta, interrompia os sonhos, levantava-se ainda a dormir, vestia-se, lavava a cara e estava pronto para ir para a Ribeira

Às 7,30 apanhava o elétrico para ir abrir o estabelecimento às oito horas

A porta ondulada, de ferro, da largura do estabelecimento, era muito pesada para a sua pouca força, para que a conseguisse descolar do chão, tinha de agarrar nas duas pegas e inventar forças para a conseguir elevar à sua altura, depois era mais fácil empurrá-la até se enrolar toda

Pelas 9 horas, a patroa trazia-lhe o pequeno-almoço, tomava-o atrás do balcão, de pé, se entrasse algum cliente, atendia-o, depois continuava a saborear a sua primeira refeição do dia

O almoço também era servido no mesmo local, umas vezes de pé outras sentado nos cabazes vazios da fruta

Fechavam o estabelecimento às 21 horas, arrumava-o e lavava o chão, não havia esfregonas

Uma rotina de 365 dias por ano

Numa manhã, pelas 8,3horas entrou, no estabelecimento, um cliente diferente, perguntou pelo patrão, como ele não estava, disse que era fiscal do trabalho, passou uma multa de 200 escudos, e acrescentou que inscrevesse o empegado na Caixa de Previdência e tratasse do cartão de sanidade

O patrão não gostou nada da visita inesperada, disse que a multa era uma fortuna, mas cumpriu com tudo o que o fiscal determinou

O empregado é que não conseguiu atingir o ordenado de 200 escudos, entrou a ganhar 70 escudos, aumentou-o quando quis, nunca lhe pediu aumento, sempre 20 de cada vez, quando se despediu ganhava 190 escudos.

O patrão tinha-lhe prometido, várias vezes, que iria abrir um estabelecimento, para ele tomar conta

Não foi fácil dizer-lhe que se ia embora, que tinha arranjado um emprego de 8 horas de trabalho, que poderia, finalmente, estudar e fazer a vontade ao pai, que em todas as cartas lhe pedia que estudasse.

 

Continua

 

16
Fev21

Vidas (13)

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Continuação (13)

Alice, o filho mais novo e a prima seguiram para casa, onde o José iria, depois do jantar, para decidir se ficava em Lisboa, ou voltaria, com a mãe e o irmão, para a sua casa

  José colocou a grade e os cestos às costas, recomeçou a caminhada para o seu destino: a Rua Forno do Tijolo, ao Príncipe Real, onde estava estacionada a camioneta, que levaria a grade e os cestos, de volta, à Praça da Ribeira

Se a Alice, em vez de ter tido aquele dramático encontro com o filho, o tivesse surpreendido a atender uma cliente, ou a dar brilho às laranjas, com um pano, não carregaria aquela dura e dolorosa imagem durante meses ou anos. Como diz o ditado: “ olhos que não veem, coração que não sente”

Quando regressou, ao Lugar de Frutas e Hortaliças, disse ao patrão, que tinha encontrado a mãe, o irmão e prima, e pediu-lhe se poderia ir despedir-se deles, depois do jantar

Mal acabou de jantar, correu para a casa da prima. Foi então, que as duas primas travaram um debate, onde esgrimiram todos os argumentos, contra e a favor da permanência do José em Lisboa, ou do regresso ao Alentejo

A mãe dizia que a prima não lhe doía o coração, porque ele não era filho dela. E perguntava-lhe se queria aquele trabalho para a filha dela. A prima dizia-lhe que era apenas uma etapa para conseguir uma vida melhor, e se ela queria que ele fosse outra vez guardar porcos. Por fim, concordaram que seria ele a decidir.

A vontade do José era ir com a mãe e o irmão, mas já tinha decidido que ficava, até por que o pai não compreenderia a sua decisão. Por outro lado, já não tinha idade para andar agarrado às saias da mãe. Tinha era de lutar pelo seu futuro, e o pior já tinha passado

A pouco-e-pouco, o José foi se habituando ao novo trabalho. Gostava do contato com as freguesas, as criadas e os colegas dos outros estabelecimentos. Ao fim de alguns meses, já as freguesas diziam, que ele era pior que o patrão, que lhes conseguia impingir tudo

Todos os dias escada acima, escada abaixo, a perguntar o que precisavam, para o almoço ou para o jantar, com as cozinheiras tinha de falar. E, elas, sempre, a avisá-lo: “ não te demores, tenho de fazer o almoço”

Alguns prédios tinham escadas de serviço, na parte de trás, todas em ferro, onde se cruzavam: o padeiro, o merceeiro, o leiteiro, o moço do Lugar de Frutas e Hortaliças, do talho, o carvoeiro …….

Falavam dos seus problemas, alguns queixavam-se de que os patrões lhe batiam. José tinha tido muita sorte, os seus, tratavam-no como a um filho, brincou muito com os eus filhos: um rapaz da sua idade, que, infelizmente, teve poliomielite, e a irmã, que tinha dois anos, quando o José foi para lá. Das 15 às 17, horas o estabelecimento tinha pouco movimento, e isso permitia que os três fossem de vez em quando, passear para o Jardim Botânico.

Era um casal muito católico, natural do Concelho de Celorico da Beira. Todos os dias, todos rezavam o terço, pela conversão da Rússia. No mês de Maio iam, à noite, à Igreja de São Mamede

José e o filho dos patrões frequentaram a catequese e fizeram a Primeira Comunhão no mesmo dia. Todos os domingos iam à missa, uns à igreja de São Mamede, outros à igreja dos Mártires, porque não podiam ir todos ao mesmo tempo.

 O estabelecimento abria todos os dias do ano. O horário afixado, para o empregado, não correspondia ao praticado: entrava às 9, saia às 13, entrava às 15 e saia às 19.

O José dormia na parte de trás do estabelecimento, onde funcionava a cozinha, e os patrões tomavam as refeições. Tomava o pequeno-almoço e almoço atrás do balcão, caso entrasse algum cliente, tinha de interromper a refeição. Só para o jantar, é que se podiam todos juntar

Os patrões dormiam num andar de um prédio mais abaixo. O patrão acordava-o ente as 5 e 6 horas, batendo à porta, quando, ainda, estava tão bem a dormir, para irem para a Praça da Ribeira

Antes das 8 horas, apanhava o elétrico, para às oito abrir o estabelecimento. O mais difícil era arrancar do chão, a porta ondulada de ferro, muito pesada, e eleva-la até à sua altura, depois era mais fácil empurra-la até acima. O patrão dizia-lhe para pedir a quem passa-se para o ajudar, mas ele não se setia à vontade, para fazer esse pedido, e àquela hora passava pouca gente, só uma vez pediu a um rapaz que o ajudasse

Uma manhã, pelas oito e meia, entrou, no estabelecimento, o fiscal do horário de trabalho, multou o patrão em duzentos escudos, muito dinheiro! José trabalhou lá 4 anos, e o seu ordenado nunca atingiu esse valor.

Continua

 

 

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