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06
Jul23

O Império

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O Império – As teias que o Império teceu

16

O Comandante tinha razão. Foi preciso esperar mais um século, para que o médico escocês James Lind, no ano de 1747, relacionasse a mortalidade dos marinheiros à deficiência de vitamina C

O fator antiescorbuto nos mais diversos alimentos só foi descoberto, isolado e denominado de vitamina C, no ano de 1928, pelo cientista Albert von Szent-Györgyi

O Comandante disse, à Miquelina, que faria equipa com o Ezequiel. Mas antes de lhe dizer qual seria a sua missão, avisou-a de tinha de ser exemplar no relacionamento com resto da tripulação, era a primeira vez que uma mulher, sem ser disfarçada de homem, fazia parte da tripulação de uma Nau, caso houvesse algum problema com o seu comportamento, deixá-la-ia no primeiro local onde aportassem

A Miquelina respondeu-lhe que tudo faria, para que fosse respeitada por todos

Feito o aviso, o Comandante disse-lhe que a missão deles seria gerir os mantimentos

A guarnição estava completa. Assim que as últimas verificações mostrassem que tudo estava de acordo com o planeado e o tempo o permitisse, fariam se ao mar

As condições meteorológicas desaconselhavam a saída para o mar, tiveram de esperar alguns dias. Mas o Comandante notou que a tripulação estava a ficar nervosa, sem a adrenalina de quem vai iniciar uma grande aventura, o que fez com que autorizasse que se fizessem ao mar

À saída da barra tiveram muitas dificuldades, temeram perder a vida, foi um mau começo, dirigiram-se para a Ilha da Madeira, onde chegaram com mastros partidos e velas rasgadas

Tiveram de ficar mais de quinze dias, na cidade do Funchal, para repararem os cinco navios, que faziam parte da frota, com destino a Nagasaki 

No Funchal, numa ida a terra, a Miquelina encontrou-se com o Ezequiel, aproveitaram para trocarem impressões sobre como estava a correr a viagem, uma vez que, dentro do barco,  falavam o indispensável e só sobre o trabalho, para que ninguém tivesse nada a dizer sobre o seu comportamento

O Ezequiel confidenciou-lhe que estava muito assustado com o que tinham enfrentado à saída da barra, receando que não conseguissem chegar a Luanda

Ela tentou tranquiliza-lo, dizendo-lhe que as naus estavam preparadas para enfrentarem grandes tempestades, e como ficava em Luanda, não assistiria às dificuldades, que costumam acontecer no Cabo das Tormentas

Ele aproveitou para lhe perguntar se não queria ficar, em Luanda, com ele, que estava apaixonado por ela, e além disso, para ela, a viagem já não tinha interesse, porque já a tinha feito, já sabia como era

Respondeu-lhe que ia pensar no assunto e depois dar-lhe-ia uma resposta.

 

Continua

 

 

29
Jun23

O Império

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   O Império - As teias que o Império teceu

15

Em Lisboa, já se preparava mais uma viagem da carreira da Índia, assim se chamava, mas o destino não era Índia. Como a anterior o destino era Nagasaki, uma viagem muito longa e dura, que obrigava a uma boa preparação

As naus já estavam atracadas ao cais de Belém, todos os dias chegavam homens a oferecerem-se para fazerem parte da tripulação, aventureiros nunca faltaram, o sonho de conhecerem novos mundos, já vinha de longe

O Ezequiel, o irmão do Januário, mal soube que estavam a preparar a viagem, apresentou-se, estava ansioso para saber que missão lhe seria atribuída

O Capitão, depois de uma longa entrevista, decidiu incumbi-lo de uma missão muito importante: a estiva

O Ezequiel era um alfacinha, habituado a viver de esquemas, ficou um pouco preocupada com a dificuldade do trabalho. Mas, o Comandante tranquilizou-o, dizendo-lhe que faria equipa com uma rapariga muito competente e experimentada, que já tinha feito a viagem anterior, a Miquelina

Ficou mais tranquilo e cheio de curiosidade, por ser apoiado por uma rapariga, que tinha feito a viagem disfarçada de homem, sem que ninguém tivesse desconfiado

Tinha de ser uma rapariga muito inteligente, para conseguir tamanha proeza

Como teria conseguido esconder a beleza feminina?

Não faltariam oportunidades para lhe fazer a pergunta e tentar aprender com essa moça a técnica do disfarce

Difícil era saber como arrumar, num espaço pequeno, água, produtos para preparar as refeições e alimentos prontos a comer, como são as conservas

No fundo a água, em cântaros de barro, tapados com rodelas de cortiça, ao lado o carvão, por cima as batatas, as cebolas e o feijão, a salgadeira também tinha de ir no porão, conservas, bolachas e outros alimentos, noutros compartimentos

A Miquelina, quando se apresentou para a sua segunda viagem, estava muito triste, apesar dos esforços de um ano, a contatar, bruxos, boticários, barbeiros, não conseguiu nenhuma informação como curar ou evitar o escorbuto

Como não sabia ler, não teve acesso a livros ou tratados sobre o assunto

O Comandante disse-lhe para não se culpabilizar por não ter encontrado ninguém que a ajudasse a resolver um problema que, segundo ele, ainda não tinha solução.

 

Continua

 

27
Abr23

O Império

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O Império – As teias que o Império teceu

6

A boa disposição e o ânimo com que saíram da Ilha de Moçambique não durou muitos dias, à medida que se iam aproximando do cabo das agulhas, onde o Índico e o Atlântico se encontram, as dificuldades aumentavam, fazendo com que vissem, novamente, as suas vidas em perigo

O desejo de chegarem a Luanda era muito grande, pisar terra trazia sempre muita alegria, tornava-se em mais uma conquista

O Januário estava apreensivo, com receio que a sua decisão não fosse a melhor, mas não ia alterá-la, iria cumpri-la, dentro do possível, como tinha sido delineada

Os dias passavam, e só se via água, uma tempestade pôs fim aos dias calmos, a passagem do Índico para o Atlântico era sempre uma grande aventura

Outra vez mastros partidos, velas rasgadas, dois marinheiros, que tentavam reforçar um mastro, caíram ao mar e ninguém mais os viu

Foi mais um acidente, que muito entristeceu todos os que o presenciaram, sabiam que havia muitos perigos nestas viagens, mas não estavam preparados para perderem a vida 

Quem participava nestas viagens queria fama, glória, fortuna, para além dos que eram levados à força, alguns, retirados das prisões

Também havia muitos voluntários, homens e mulheres que gostavam de participar nestas aventuras, que queriam testar as suas capacidades, desafiar os perigos, como se não houvesse limites, mas elas tinham de se disfarçar de homem, porque não eram permitidas mulheres a bordo

Naquela emergência e aflição de consertar mastros e velas, Januário descobriu que quem o estava a ajudar a reparar uma vela era uma mulher, ficou surpreendido com a descoberta, mas fingiu não se ter apercebido de nada, queria passar o mais despercebido possível, para que quando chegassem a Luanda, e abandonasse o barco, não dessem pela sua falta

Luanda foi fundada a 25/01/1576, pelo fidalgo e explorador Paulo Dias de Novais, com o nome de “São Paulo da Assunção de Loanda “

Luanda tornou-se a partir de 1627 o centro administrativo da região, que se começou a chamar de Angola

Luanda tinha cerca de mil colonos, entre civis e militares, a prioridade era a construção de um ou mais fortes, para a defesa da cidade

Mais de sete meses depois de saírem de Nagasaki, finalmente chegara a Luanda, estavam todos cansados de ver mar, de passar fome e sede

Foram muitos o perigos que tiveram de enfrentar, os medos que tiveram de vencer, porque o mar é uma imensidão de água, que nos está sempre a surpreender.

Continua

  

 

20
Abr23

O Império

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O Império – As teias que o Império teceu

5

Foi uma viagem muito longa, muito desgastante, alguns tripulantes morreram, quando chegaram a Nagasaki, a armada e os homens precisavam de descanso

A armada era composta por 4 barcos, que chegaram todos ao destino, o que foi muito bom

Mas precisavam de uma grande reparação e de mais tripulantes, que não eram fáceis de encontrar

Os portugueses não eram bem visto na cidade, porque faziam muitos filhos e propagavam o catolicismo

Por isso, os japoneses construíram a pequena ilha de Dejima, de 200 metros de comprimento por 80 de largura, que ficou pronta em 1636, para tentar afastar os portuguese da cidade, mas os portugueses não aqueceram o lugar, foram expulsos em 1639

Carregadas as mercadorias e recuperados os barcos e os homens, iniciaram o regresso

Voltaram a aportar em Macau, Malaca e Goa, para carregarem mais mercadorias

Deixaram Goa com os barcos completamente carregados, todos estavam ansiosos por voltarem a Lisboa, menos o Januário, que já tinha decidido não voltar à Pátria

Foram fustigados por ciclones e tempestades, que partiram mastros e rasgaram velas, temeram que as pequenas caravelas fossem engolidas pelo mar, foram muitos dias com medo de perderem a vida

Como diz o ditado: “depois da tempestade vem a bonança”, tiveram de aportar na Ilha de Moçambique, uma paragem que não estava programada, mas foi necessária para tentar consertar o que as tempestades tinha danificado

Foi mais de um mês de paragem, o que fez com que todos ficassem mais nervosos, com mais ansiedade, com receio de que não conseguissem voltar a ver Lisboa

Quando se fizeram, de novo, ao mar o ânimo voltou, até parecia que Lisboa estava ao voltar da esquina

O januário já fazia planos para a sua fuga, que não confidenciou com ninguém, tinha trazido alguns anzóis, fogo, a pistola, uma faca, um pano de seda, que tinha comprado em Nagasaki

Esperava conseguir camuflar tudo com os trapos de que se cobria, não podia fazer nada que pusesse em perigo a sua opção de ficar em Luanda

No último dia em que pudesse ir a terra, antes de deixarem Luanda, tinha de sair sem levantar suspeitas, procurar embrenhar-se no mato, para não voltar a ser visto, procurar um abrigo para pernoitar, tencionava arranjar uma companheira, queria ter uma grande família

Tudo planeado, mas não estava muito tranquilo quanto à sua concretização, acreditava que, se tivesse sorte, tudo correria bem.

Continua    

 

 

13
Abr23

O Império

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O Império – As teias que o Império teceu

4

Januário, um jovem de 20 anos, há muito que sonhava embarcar na carreira das Índias, um belo dia, ao ver que estavam a preparar mais uma partida, ofereceu-se para fazer parte da tripulação, foi aceite e ficou muito feliz

Queria conhecer novas terras, novas gentes, fazer fortuna, arranjar uma companheira, deixar a vida boémia de Lisboa

Chegou o dia de deixarem Lisboa e fazerem-se ao mar, estava radiante, finalmente podia fazer muitos projetos: ficar na Índia, em Luanda, em Lourenço Marques, onde aportassem e visse que era o melhor lugar para viver, não queria era voltar a Lisboa, não queria mais aquela vida de expedientes, sem futuro

Tinha planeado estar muito atento a todos os locais onde aportassem, para poder escolher onde ficar

A primeira paragem foi na Ilha Terceira, em Angra do Heroísmo, local que estava fora dos seus planos, queria uma colónia grande e rica, que fosse muito maior que a metrópole 

Seguiu-se Luanda, que o encantou, no pouco tempo que teve para ir a terra, tentou gizar um plano, para no regresso ficar em Luanda  

Seguiram para Índia, pelo canal de Moçambique, mas não aportaram, queriam chegar à Índia quanto antes, porque o seu destino era chegarem ao Japão, passando pelas Molucas

 Estávamos em 1629, não podiam perder tempo, ainda tinham de aportar em Goa, Malaca, Macau e Nagasaki

Januário teve a oportunidade de percorrer toda a carreira da Índia, teve muito por onde escolher, para se estabelecer e tentar enriquecer

Conheceu tantas e variadas gentes, que não sabia o que fazer, se bem que já se tivesse encantado por Luanda

Ainda esteve indeciso entre a Ilha de Moçambique e Luanda. Mas, acabou por preferir não perder, o Oceano Atlântico, de vista

Gostou muito da baia de Luanda, parecia um sítio ótimo para abandonar o barco e tentar constituir uma família, não faltariam bonitas raparigas nativas e bons terrenos para produzirem alimentos.  

Continua

 

 

30
Mar23

O Império

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O Império – As teias que o Império teceu

2

Os descobrimentos portugueses foram um grande empreendimento, não foi menor o sofrimento, lutar no oceano contra o vento, o imprevisto, o desconhecido, tudo foi tão sofrido

Não foram só os elementos naturais, que tiveram de enfrentar, também a alimentação foi uma grande preocupação: falta de alimentos, alimentos estragados, água cheia de bichos, um inferno, de muitos, desconhecido

Nem com a primeira estação de serviço, na Ilha Terceira, em Angra do Heroísmo, os problemas foram resolvidos, seriam precisas muitas mais estações de serviço entre Lisboa e Nagasaki

Contra ventos e marés, os portugueses nunca viraram a cara ao perigo, e com arte e engenho lá foram criando fortalezas, feitorias, erguendo padrões, tudo para conseguirem controlar o comércio da seda e das especiarias da Índia

Oh imenso mar, se pudesses falar, muito poderias dizer, sobre a bravura dos portugueses!

Tanta gente que morreu, de um país tão pequeno, para saberem o que havia para além de ti

Criaram um Império, que ia de onde o sol nasce até ao pôr, e também o meio-dia o via

Para ficarmos famosos, para nos livramos” da lei da morte” tudo fazemos, de todos os sacrifícios somos capazes, querermos ser famosos, faz-nos ser audazes

Vasco da Gama ficou famoso por ter conseguido ir à Índia, mas fala-se menos dos custos, de quantas vidas foram perdidas, de quantos filhos ficaram órfãos, de quantas mães perderam os filhos, de quantas noivas ficaram por casar, de quantas mulheres ficaram sem marido

No regresso da sua primeira viagem, o seu irmão, Paulo da Gama, adoeceu, diz-se com o mal de Luanda, (o escorbuto) outra designação, porque tanto as naus que saíam de Lisboa, em direção à Índia, como as que saíam da Índia em direção a Lisboa, antes de chegarem a Luanda, já todos os alimentos frescos tinham acabado, quase tudo já estava estragado, e a doença aparecia

O irmão tentou salvá-lo, ordenou que se dirigissem para a Ilha Terceira, para Angra do Heroísmo, sendo que a uma das naus foi dada ordem de que seguisse para Lisboa, para darem a boa nova ao Rei

Não resistiu, chegou morto ou muito doente, ficou sepultado na Ilha Terceira, em Angra do Heroísmo, no meio do Atlântico, foi o preço pago por ter tido a oportunidade de participar na primeira viagem à índia

Os anónimos, os que não têm nome, aqueles que ninguém sabe quem são não tiveram tanta sorte, não tiveram sepulturas eternas, foram atirados ao mar.

 

Continua

 

 

 

 

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