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07
Set23

O Império

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O Império – As teias que o Império teceu

 

25

O reencontro dos irmãos foi uma nova página, que se abriu na vida dos dois casais, fazendo com que estivessem muito felizes

A Miquelina e o Ezequiel não se cansavam de elogiar a bonita sobrinha e o bonito sobrinho, fazendo com que a Rosinha, meio a brincar, lhes respondesse, que com pais bonitos, tinham de ser bonitos

Assim que o Januário e o irmão saíram, para tratarem dos seus negócios, uma vez que o Januário tinha proposto ao irmão, sociedade nos negócios, e este aceitou, a Rosinha convidou a cunhada, para irem ver a lavra, onde tinha batata-doce, milho, mandioca, amendoim e a cana- de- açúcar, causa da escravatura, por exigir muita mão-de-obra, tanto no cultivo, sendo o corte, um trabalho muito violento, como no funcionamento dos engenhos de produção de açúcar

 E que, também, causava discórdia entre elas e os maridos, por elas serem contra a escravatura

A Miquelina ficou admirada com a extensão da lavra e com os bons produtos, que ela dava

Ofereceu-se para ajudar no que fosse preciso, porque estava interessada em aprender a trabalhar a terra

Mas, a Rosinha, um pouco triste, disse-lhe que não valia a pena, porque em breve mudar-se-iam para Luanda, não sabendo se continuaria a fabricar alguma lavra

Todos estavam desejando de irem para luanda, menos ela, que preferia viver onde tinha nascido

A Miquelina também disse que lhe tinha custado muito deixar a sua linda Lisboa

É uma maldição dos portugueses, andarem de país em país, de continente em continente à procura de melhores condições de vida

O pequeno retângulo, sempre, foi pequeno, para grandes sonhos e a vontade de ver o que estava para lá do Atlântico foi, em todos os tempos, muita

Quando se mudarem para Luanda, a Rosinha vai ter mais tempo para se dedicar à filha e ao filho, e com a chegada do cunhado e da cunhada o ritmo de vida pode sofrer algumas alterações

Ela e a Miquelina já trocaram algumas opiniões, ambas estão de acordo em que a escravatura não pode ser o meio de sustento da família

Agora que os manos estavam juntos, era uma boa oportunidade para os quatro, em conjunto, procurarem um trabalho digno, para obterem o sustento das suas famílias.

Continua

 

 

17
Ago23

O Império

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O Império – As teias que o Império teceu

22

O Januário, assim que soube que as naus tinham atracado ao cais de Luanda, foi passando, por lá, todos os dias

Mas, não conseguiu encontrar ninguém conhecido, nem ninguém que lhe desse as notícias  desejadas sobre a sua amada Lisboa

A notícia que todos queriam revelar, por ser uma coisa invulgar, era a de que abordo viajava uma mulher

Januário, também, ficou muito surpreendido e tentou que lhe descrevessem a mulher, para ver se faria algum sentido, a armada trazer uma mulher a bordo

Disseram-lhe que era uma mulher muito bonita, muito competente no seu trabalho de gerir os mantimentos e fazia equipa com um rapaz da sua idade, que se chamava Ezequiel

Quando falaram em Ezequiel, ainda, disse que era o nome do seu irmão, mas nunca pensou que fosse ele

Despediu-se, desejando-lhes boa viagem, e que continuaria a passar por ali, todos os dias, para ver se se cruzava com alguém conhecido, queria saber mais de Lisboa

Finalmente, as quatro naus chegaram a Luanda. A Miquelina e o Ezequiel tinham muito trabalho pela frente, para reabastecerem as naus, enquanto esse trabalho não estivesse feito, não teriam autorização para saírem

Não era fácil o reabastecimento, porque não havia a quantidade de produtos necessários, o que fazia com que tivessem de aproveitar tudo o que houvesse, incluindo as frutas e em especial as bananas, que eram, sempre, em grande quantidade

Ao décimo segundo dia, depois de chegarem a Luanda, a primeira parte do trabalho da Miquelina e do Ezequiel estava completo

As frutas e os vegetais só eram embarcados poucos dias antes das naus se fazerem ao mar, de novo

Se tudo correr como planeado, a Miquelina e o Ezequiel, em breve, abandonarão o barco e darão um salto para o desconhecido, sem saberem o que os esperará, faz parte da aventura

O Januário já estava cansado de todos os dias passar pelo cais, sem que conseguisse obter notícias relevantes

Mas, iria continuar, todo os dias, os seus esforços, enquanto os barcos se mantivessem atracados, para saber mais de Lisboa, de quem tinha tantas saudades, principalmente da mãe e do irmão

A procura de uma vida melhor leva-nos, tantas vezes, a perder tanta coisa: o não acompanhamento do crescimento dos filhos, a separação do casal, o convívio com os outros familiares e amigos, um clima a que estamos habituados, o local onde nascemos, que é tão importante, pelo simbolismo, que carrega.

Em certos casos, não sei se compensam tantos sacrifícios, para tão poucos proveitos

A emigração da última metade do século passado levou-nos a aceitar os duros trabalhos que outros não queriam, era uma emigração clandestina, que fazia com que aceitássemos as condições impostas pelos patrões

Hoje, felizmente é diferente, não deixando de ser um desenraizamento e um grande empobrecimento, para o país que, se empenha na formação dos jovens, os vê partir à procura de melhores condições de vida, contribuindo para o enriquecimento de outros países.

Continua

 

 

 

13
Abr23

O Império

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O Império – As teias que o Império teceu

4

Januário, um jovem de 20 anos, há muito que sonhava embarcar na carreira das Índias, um belo dia, ao ver que estavam a preparar mais uma partida, ofereceu-se para fazer parte da tripulação, foi aceite e ficou muito feliz

Queria conhecer novas terras, novas gentes, fazer fortuna, arranjar uma companheira, deixar a vida boémia de Lisboa

Chegou o dia de deixarem Lisboa e fazerem-se ao mar, estava radiante, finalmente podia fazer muitos projetos: ficar na Índia, em Luanda, em Lourenço Marques, onde aportassem e visse que era o melhor lugar para viver, não queria era voltar a Lisboa, não queria mais aquela vida de expedientes, sem futuro

Tinha planeado estar muito atento a todos os locais onde aportassem, para poder escolher onde ficar

A primeira paragem foi na Ilha Terceira, em Angra do Heroísmo, local que estava fora dos seus planos, queria uma colónia grande e rica, que fosse muito maior que a metrópole 

Seguiu-se Luanda, que o encantou, no pouco tempo que teve para ir a terra, tentou gizar um plano, para no regresso ficar em Luanda  

Seguiram para Índia, pelo canal de Moçambique, mas não aportaram, queriam chegar à Índia quanto antes, porque o seu destino era chegarem ao Japão, passando pelas Molucas

 Estávamos em 1629, não podiam perder tempo, ainda tinham de aportar em Goa, Malaca, Macau e Nagasaki

Januário teve a oportunidade de percorrer toda a carreira da Índia, teve muito por onde escolher, para se estabelecer e tentar enriquecer

Conheceu tantas e variadas gentes, que não sabia o que fazer, se bem que já se tivesse encantado por Luanda

Ainda esteve indeciso entre a Ilha de Moçambique e Luanda. Mas, acabou por preferir não perder, o Oceano Atlântico, de vista

Gostou muito da baia de Luanda, parecia um sítio ótimo para abandonar o barco e tentar constituir uma família, não faltariam bonitas raparigas nativas e bons terrenos para produzirem alimentos.  

Continua

 

 

16
Mar23

A sedutora

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Lisboa! A sedutora

 

21

O país desaguou no Cais da Rocha de Conde de Óbidos, aldeias, cidades e vilas, de todo o lado vieram pais, avós, irmãs, irmãos, cunhados, cunhadas, namoradas, mulheres, mães, todos acorreram ao cais, todos aos aís, abraçados aos seus ente-queridos, ninguém se queria apartar, até que os mandaram formar, os familiares a muito custo deixaram-nos abalar

Ordenaram que embarcassem, foi tudo muito rápido, o barco apitou, desprenderam as amarras e ele avançou pelo Tejo dentro, no cais ficou um mar de gente, cada um, a acenar com o seu lenço

Até a formosa Lisboa chorou, não os queria ver partir, ia sentir tanto a sua falta, sem jovens, sentia-se, cada vez, mais abandonada, tinham-na transformado numa triste namorada, sempre à espera que voltassem e a abraçassem de novo, que sentissem todo o seu encanto, que continuassem enamorados por toda a sua beleza, pelas suas colinas, servidas pelo seu elevador de Santa Justa (1902), para subir e descer da baixa ao Carmo, o ascensor da Bica (1892, que liga o Bairro Alto à rua da Boa Vista, o ascensor da Glória (1885), para ligar o Jardim de São Pedro de Alcântara aos Restauradores, o ascensor do Lavra (1884) que sobe e desce a rua da Anunciada, entre o Largo da Anunciada e a rua Câmara Pestana

A Oriente podemos admirar a Sé, o Castelo de São Jorge, a Casa dos Bicos, onde funciona a fundação de José Saramago, a Feira da Ladra. O Museu Militar, o Panteão, a estação ferroviária de Santa Apolónia, por onde entram os estrangeiros que utilizam o comboio, o Oceanário

No coração da cidade os teatros de Dom Carlos e de Dona Maria Primeira, a Estação Ferroviária do Rossio, O Cinema Éden, o Parque Mayer, o Coliseu dos Recreios, o jardim Botânico, a estátua do Marquês de Pombal, a Estufa-fria e a Quente, o Parque Eduardo VII, que é uma janela aberta para o Tejo, a Praça de Touros, o Jardim Zoológico, a fonte luminosa, o Bairro Alto, a Mouraria, a Assembleia da República, o Jardim da Estrela, a Basílica da Estrela, o Museu Nacional de Arte Antiga

A Ocidente o Museu dos Coches, O Museu de Arte Moderna, o Centro Cultural de Belém, os Jerónimos, o Museu de Marinha, o Padrão dos Descobrimentos, os pastéis de Belém, A torre de Belém, as Amoreiras, que fizeram com que a entrada ocidental da cidade tivesse ficado muito mais bonita, o aquário Vasco da Gama, o MAAT- Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia, o Aqueduto das Águas Livres

Não faltam coisas bonitas e belas para ver na encantadora Lisboa.

 

De sedutora a nacionais, passaste a sedutora de estrangeiros

Nas tuas vielas só se houve o barulho das rodas das malas dos turistas

Todos ficam maravilhados coma tua luz e a tua beleza

Nunca foste tão grande vedeta!

Nem no tempo dos descobrimentos

Quando só cheiravas a cravo, canela, gengibre e pimenta

Esse é que foi um rico tempo!

Que não volta mais

Não voltaremos a ser os donos do Mundo

Mas, tu serás sempre a linda princesa do Tejo.

 

 

José Silva Costa

    

  

 

 

 

 

09
Mar23

A sedutora

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Lisboa! A sedutora

20

 

Estavas, Linda Inês, posta em sossego,

De teus anos colhendo doce fruito

Naquele engano da alma, ledo e cego,

Que a Fortuna não deixa durar muito,

Nos saudosos campos do Mondego,

De teus fermosos olhos nunca enxuito,

Aos montes ensinando e às ervinhas

O nome que no peito escrito tinhas. ( canto III, estrofe 120 de os Lusíadas)

 

Era a declamar estes versos, que ele os acordava

E, ficavam tão empolgados, que depois de saírem da aula, ainda iam para o Granada, um café ao lado da Escola, declamar mais versos

Os bons professores sabem como acordar, entusiasmar, interessar, motivar os alunos

Mesmo com os bons professores, não foi possível fazer o segundo ciclo liceal num ano (terceiro, quarto e quinto anos)

Candidatou-se a exame, mas reprovou. Para o ano escolar seguinte voltou a matricular-se, mas já não concluiu o ano letivo, foi chamado para cumprir o serviço militar obrigatório.

A esposa voltou para a casa dos pais, e não queria voltar a viver em Lisboa

Na terceira semana da recruta, num exercício, rachou o calcanhar direito

No fim desse ano nasceu a filha mais velha, no dia do seu primeiro mês, não a pode ver, fez-lhe os primeiros versos

Esteve cerca de um ano no depósito de indisponíveis, na Graça, em Lisboa

Foi presente a uma junta médica, que o declarou apto para todo o serviço militar

Voltou outra vez para as Caldas da Rainha, para fazer a recruta, como instruendo do curso de sargentos milicianos

  Acabada a recruta, foi colocado na Escola Pratica de Cavalaria, em Santarém, onde concluiu o curso de sargentos miliciano, tendo sido graduado no posto de primeiro-cabo miliciano

Em Janeiro de 1969, foi colocado em Lisboa, no Regimento de Cavalaria nº7, onde deu instrução aos soldados, que foram com ele para Angola.

Foi obrigado a recensear-se, havia eleições Presidenciais, quando se realizaram já estava em Angola, e como não teve oportunidade de votar, talvez alguém tenha votado por ele

Calçada da Ajuda acima e abaixo, até Monsanto, onde eram treinadas as táticas de guerra, no Regimento de Lanceiros, 2 tinham à sua disposição uma pista de obstáculos, para se prepararem, para o que em Angola os esperava. Fizeram tiro com balas reais na Serra da Carregueira

Os derradeiros preparativos foram efetuados na Fonte da Telha e na Serra da Arrábida

Em Setúbal, bonita princesa do Sado, na sua avenida Luísa Todi, desfilaram, para que todos se despedissem dos jovens, e vissem como estavam saudáveis, forçados a irem para mais uma guerra sem sentido, como são todas as guerras

As pessoas aglomeram-se nos passeios, para dizerem adeus e desejarem boa sorte, às duas centenas de homens, que nunca mais voltariam a ver, todos, porque a alguns esperava-os a má sorte

Nas vésperas do dia de embarque, foi graduado no posto de furriel miliciano, o que fez com que a esposa recebesse quase 2.800 escudos, referentes aos dois terços do seu vencimento, o máximo que podia ser recebido na Metrópole

Juntaram quase 100.000 escudos, que serviram para remodelar a casinha de 50 m2, que não tinha casa de banho, nem água canalizada, nem eletricidade

A ligação da eletricidade, do exterior ao interior da casa, foi paga com os últimos 7.000 escudos, que recebeu como militar

Valeu a pena ter estudado, vale sempre a pena estudar, mais que não seja, para de outro modo, o mundo apreciar

Em Angola teve um aumento de vencimento, a que só os sargentos e oficias tiveram direito, uma vergonha revoltante, que só poderia ter acontecido num regime ditatorial

Os soldados, com toda a razão, ficaram revoltados, chegando a dizer aos graduados que fossem sozinhos para o mato, mas ninguém corrigiu a injustiça

 Perdeu o Tejo, Lisboa, a Serra de Sintra: tudo, o Atlântico era a nova morada  

Ia fazer 24 anos, fez em Angola os 24, 25 e 26 anos. A tropa roubou-lhe 4 anos de convívio com a família. Felizmente, não lhe roubou a vida, o que aconteceu a muitos

Uma guerra que poderia ter sido evitada, como acontece com todas as guerras, que só servem para causar destruição, dor e morte.

Continua

 

12
Jan23

A sedutora

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Lisboa! A sedutora

12

Três homens solteiros, num primeiro andar: o patrão, o irmão e o empregado

Uma casa forrada com peças de cairo, só a casa de banho não tinha matéria-prima para fazer os tapetes

Era uma casa pequena: um quarto, cozinha, casa de banho, sala e uma salinha muito pequena

Os empregados dormiam na sala, no local onde trabalhavam de dia

À noite, no cetro da sala, único espaço disponível, cada um fazia a sua cama, o soalho e uma peça de cairo faziam de colchão

Com o novo contrato, verbal, ganhava mais dez escudos: 200 escudos, por mês, oito horas de trabalho, descansava ao domingo, com a possibilidade de fazer horas extraordinárias, pagas à peça

Com moldes em papel, dois para cada modelo, um para a frente outro para trás, marcavam os cortes a fazer, para que assentassem bem e os pedais ficassem livres

Todos os cortes tinham de ser costurados com uma agulha, um pouco maior que uma sovela de sapateiro, com um buraco na ponta, para que o tecido não se desfiasse

Para além de fazer os tapetes, ia aos Bancos, entregar tapetes nos standes, de transportes públicos ou de táxi, dependendo da urgência ou da quantidade, e ainda despachar encomendas, para todo o país, por caminho-de-ferro, em alta ou pequena velocidade

As estações de caminho-de-ferro tinham um armazém onde guardavam as mercadorias recebidas ou para expedição, ainda era rara a entrega de porta a porta

Também chegou a ser incumbido de ir tirar moldes de modelos que não tinham, um trabalho delicado, porque o papel assentava melhor que o tapete, por isso era preciso saber compensar as diferenças, para que o fato assentasse bem

O patrão passava muitos dias, percorrendo o país, de comboio, visitando standes de automóveis, para angariar novos clientes

 

Em Tondela, travou conhecimento com uma rapariga que, como muitas outras, por este país fora, sem trabalho nem expectativas de vida, aguardava, na casa dos pais, por um príncipe, que um dia a desencantasse

Como bom vendedor, disse à rapariga que tinha mundos e fundos, e ela acreditou, namoraram uns meses e casaram

Depois de casados e da lua-de-mel, quando a trouxe para Lisboa, e lhe apresentou o palacete para onde ia viver, a rapariga ia desmaiando

 

  Triste, mas sem queixumes enfrentou a realidade, arregaçou as mangas e lutou ao lado dele

Tiveram duas meninas

Passados alguns anos, quando os tapetes de cairo, para automóveis, caíram em desuso, e apareceram outros materiais, era ela que, com uma máquina de costura industrial, fazia os tapetes

No primeiro carnaval, que  passou em Lisboa, mascaram-se: ela e o empregado trocaram as roupas, fizeram uma cegada, fazendo com as tristezas fossem esquecidas, mesmo que por pouco tempo.

 

Continua

 

 

 

 

03
Nov22

A sedutora

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Lisboa! A sedutora

(2)

Lisboa fervilhava de criados e criadas, enquanto as províncias iam ficando sem jovens, que já não se sujeitavam aos trabalhos do campo, onde labutavam os pais e os avós

Na grande cidade poucas mulheres trabalhavam, só as mais pobres, as outras, competia ao marido assegurar o rendimento, para o sustendo da casa, incluindo o contrato de criada ou criadas

Nos bairros chiques, as casas tinham porteira, e nas traseiras, as escadas em ferro (as escadas de serviço) por onde leiteiros, carvoeiros, padeiros, merceeiros ……….. transportavam, diariamente, os bens de primeira necessidade de que as  famílias precisavam

Às porteiras competia a limpeza da entrada e escada interior, algumas tinham as chaves de todos os condomínios para que, caso os condóminos se esquecessem das suas, elas lhe abrissem a porta da casa

Na rua da Imprensa Nacional, uma porteira tinha muito brio em que a escada estivesse, sempre, a brilhar: ela lavava-a e dava-lhe cera, o marido puxava o brilho, viviam felizes por único filho andar no sétimo ano do Liceu, prestes a entrar para a Universidade, o que não era habitual, os filhos dos pobres chegarem ao ensino superior

Como sempre, há bons e maus patrões: os que respeitavam os rapazes e as raparigas, tratados com dignidade, como dizia o contrato verbal, mesa, cama e roupa lavada

Mas também havia quem lhes batesse, quem abusasse das raparigas, comer e cama indignos

Criadas e criados estavam numa situação muito fragilizada, sem familiares por perto, entregues à sua sorte, na grande cidade, dependentes da mesa e da cama, quase impossibilitados de dizerem não, sem horário de trabalho, nem feriados, nem férias

Nos estabelecimentos estavam afixados os horários de trabalho, mas era só para inglês ver

De anos a anos apareciam os fiscais do trabalho, para verificarem o horário de trabalho, se os empregados estavam inscritos na Caixa de Previdência, e no caso dos que trabalhavam com produtos alimentares era obrigatório ter cartão de sanidade

Para além dos criados e criadas, existiam os vendedores ou compradores com os seus pregões

A mulher da fava-rica:“ fava-rica, dos figos: “quem quer figos, quem quer almoçar”, a varina: “sardinha vivinha, da costa”, o homem do ferro velho: “quem tem trapos, jornais ou garrafas para vender”, e sem pregões, as lavadeiras de Caneças, que todas as semanas entregavam a roupa lavada e levavam a suja, e os vendedores de água de Caneças, em bilhas de barro

Não faltavam os peditórios para os Bombeiros Voluntários, para os Invisuais e para os Inválidos do Comércio: colocavam um carro em cima de uma camioneta, sem tapais, e vários homens abordavam os transeuntes e os lojistas, para lhes venderem as rifas, para o sorteio do carro

Nos anos 60 ter um carro era o sonho de muita gente, que só o conseguiria num sorteio ou na participação de um concurso

Somos muito solidários, mas com engodo, ainda, muito mais!

Continua

 

11
Jul22

Lisboa!

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Lisboa

Lisboa, cidade da Madragoa

Da gente Saloia

De todo o reino sem coroa

Namoradeira do Tejo

De todos: do Norte, do Centro e do Sul do Tejo

Que felicidade quando te vejo!

Depois de calcorrear todo o mundo e te desejo

Esteja onde estiver, volto ao um cais

Apanho uma caravela e desfraldo a vela

Mal entro a barra, olho-te da cabeça aos pés

Como se nunca te tivesse visto

As Amoreiras estão um encanto

Mas não me esqueço que eram os elétricos que descansavam naquele recanto

A Estrela será para sempre um ponto de encontro

Para muitos, o último

Mais abaixo o Parlamento

Onde todo o país está representado

Antigamente tão calado!

Hoje, com as pronúncias de todo o Estado

Aos pés do Príncipe Real, o irreconhecível Bairro Alto

Ninho de rameiras tornou-se num bairro de barulheiras

A Graça contínua com a sua graça

Junto ao rio já não há marujos nem becos sujos

Desentaiparam-no para que todos possam beneficiar do seu olhar

Onde todos se podem despedir dos barcos que se fazem ao mar

A oriente a refinaria da Sacor deu origem ao parque das nações

Foi-se o fumo, ficaram as recordações

A Expo 98 ficou nos nossos corações.

José Silva Costa

 

16
Fev21

Vidas (13)

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Continuação (13)

Alice, o filho mais novo e a prima seguiram para casa, onde o José iria, depois do jantar, para decidir se ficava em Lisboa, ou voltaria, com a mãe e o irmão, para a sua casa

  José colocou a grade e os cestos às costas, recomeçou a caminhada para o seu destino: a Rua Forno do Tijolo, ao Príncipe Real, onde estava estacionada a camioneta, que levaria a grade e os cestos, de volta, à Praça da Ribeira

Se a Alice, em vez de ter tido aquele dramático encontro com o filho, o tivesse surpreendido a atender uma cliente, ou a dar brilho às laranjas, com um pano, não carregaria aquela dura e dolorosa imagem durante meses ou anos. Como diz o ditado: “ olhos que não veem, coração que não sente”

Quando regressou, ao Lugar de Frutas e Hortaliças, disse ao patrão, que tinha encontrado a mãe, o irmão e prima, e pediu-lhe se poderia ir despedir-se deles, depois do jantar

Mal acabou de jantar, correu para a casa da prima. Foi então, que as duas primas travaram um debate, onde esgrimiram todos os argumentos, contra e a favor da permanência do José em Lisboa, ou do regresso ao Alentejo

A mãe dizia que a prima não lhe doía o coração, porque ele não era filho dela. E perguntava-lhe se queria aquele trabalho para a filha dela. A prima dizia-lhe que era apenas uma etapa para conseguir uma vida melhor, e se ela queria que ele fosse outra vez guardar porcos. Por fim, concordaram que seria ele a decidir.

A vontade do José era ir com a mãe e o irmão, mas já tinha decidido que ficava, até por que o pai não compreenderia a sua decisão. Por outro lado, já não tinha idade para andar agarrado às saias da mãe. Tinha era de lutar pelo seu futuro, e o pior já tinha passado

A pouco-e-pouco, o José foi se habituando ao novo trabalho. Gostava do contato com as freguesas, as criadas e os colegas dos outros estabelecimentos. Ao fim de alguns meses, já as freguesas diziam, que ele era pior que o patrão, que lhes conseguia impingir tudo

Todos os dias escada acima, escada abaixo, a perguntar o que precisavam, para o almoço ou para o jantar, com as cozinheiras tinha de falar. E, elas, sempre, a avisá-lo: “ não te demores, tenho de fazer o almoço”

Alguns prédios tinham escadas de serviço, na parte de trás, todas em ferro, onde se cruzavam: o padeiro, o merceeiro, o leiteiro, o moço do Lugar de Frutas e Hortaliças, do talho, o carvoeiro …….

Falavam dos seus problemas, alguns queixavam-se de que os patrões lhe batiam. José tinha tido muita sorte, os seus, tratavam-no como a um filho, brincou muito com os eus filhos: um rapaz da sua idade, que, infelizmente, teve poliomielite, e a irmã, que tinha dois anos, quando o José foi para lá. Das 15 às 17, horas o estabelecimento tinha pouco movimento, e isso permitia que os três fossem de vez em quando, passear para o Jardim Botânico.

Era um casal muito católico, natural do Concelho de Celorico da Beira. Todos os dias, todos rezavam o terço, pela conversão da Rússia. No mês de Maio iam, à noite, à Igreja de São Mamede

José e o filho dos patrões frequentaram a catequese e fizeram a Primeira Comunhão no mesmo dia. Todos os domingos iam à missa, uns à igreja de São Mamede, outros à igreja dos Mártires, porque não podiam ir todos ao mesmo tempo.

 O estabelecimento abria todos os dias do ano. O horário afixado, para o empregado, não correspondia ao praticado: entrava às 9, saia às 13, entrava às 15 e saia às 19.

O José dormia na parte de trás do estabelecimento, onde funcionava a cozinha, e os patrões tomavam as refeições. Tomava o pequeno-almoço e almoço atrás do balcão, caso entrasse algum cliente, tinha de interromper a refeição. Só para o jantar, é que se podiam todos juntar

Os patrões dormiam num andar de um prédio mais abaixo. O patrão acordava-o ente as 5 e 6 horas, batendo à porta, quando, ainda, estava tão bem a dormir, para irem para a Praça da Ribeira

Antes das 8 horas, apanhava o elétrico, para às oito abrir o estabelecimento. O mais difícil era arrancar do chão, a porta ondulada de ferro, muito pesada, e eleva-la até à sua altura, depois era mais fácil empurra-la até acima. O patrão dizia-lhe para pedir a quem passa-se para o ajudar, mas ele não se setia à vontade, para fazer esse pedido, e àquela hora passava pouca gente, só uma vez pediu a um rapaz que o ajudasse

Uma manhã, pelas oito e meia, entrou, no estabelecimento, o fiscal do horário de trabalho, multou o patrão em duzentos escudos, muito dinheiro! José trabalhou lá 4 anos, e o seu ordenado nunca atingiu esse valor.

Continua

 

 

12
Fev21

Vidas (12)

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Continuação (12)

Entretanto, o patrão do José aproveitou a Feira do Ameixial, para vender as vacas e os bezerros. Acabadas as férias na Califórnia, voltou para casa, onde já estava o irmão, por ter tido alta do Hospital de São José. Foram os últimos dias, juntos, naquela casa. Passados uns dias, apareceu outro patrão. Desta vez, de uma localidade, no outro lado da Ribeira, no Algarve. Francisco disse-lhe que o filho ia guardar os porcos, mas que estava à espera de uma carta, para ele ir para Lisboa. Assim que chegasse, iria lá busca-lo imediatamente. A ceifa estava quase a começar, nesse ano a ceifa começou em Maio

A dez dias do fim do mês, quase ao fim do dia, estava o José, descontraído, a olhar pelos porcos, para que não comessem o trigo, quando avistou o pai, ao longe. Adivinhou o motivo da visita, Ficou feliz, mas ao mesmo tempo com receio do desconhecido

O pai chegou cansado, ainda eram uns bons quilómetros, não se demorou e seguiram para casa, queria que o filho tivesse tempo para descansar, porque no outro dia tinha de seguir para Lisboa

Aproveitou, enquanto caminhavam, para lhe enumerar todas as vantagens de ir para Lisboa. Sabia que a Alice não concordava que o filho fosse para tão longe, queria-o por perto, para vê-lo

No dia seguinte, levantaram-se cedo, ainda eram uns quilómetros até à Dogueno, primeira paragem, no Alentejo, da camioneta que fazia a carreira Faro, Lisboa. A prima tinha pedido para levar um laço, no bolso do casaco, para quando fosse esperá-lo, a Cacilhas, ser mais fácil o encontro

Quando se despediu, a mãe agarrou-o contra ela e não o deixava, até que o Francisco disse que tinham de se ir embora, senão perdia a camioneta. O José estava tão emocionado, que se esqueceu de despedir-se da irmã. A mãe disse:” não te despedes da tua irmã”! Voltou atrás e despediu-se da irmã. Parecia que a mãe estava com vontade que perdesse a camioneta

Eles a chegarem e a camioneta a aparecer do lado esquerdo, apressada. Francisco pediu ao condutor e ao cobrador se podiam tomar conta dele até Cacilhas, onde a prima o esperava

Almoçaram em Ferreira do Alentejo, onde as camionetas se cruzavam: a que vinha de Beja com a de Faro. Havia uma plataforma, onde as camionetas eram encostadas, para ser mais fácil e rápido trocar as bagagens e as mercadorias, expedidas. Naquele tempo, as camionetas tinham uma plataforma, no tejadilho, onde carregavam muitas mercadorias e bagagens, que eram presas com uma rede  

Quando o José saiu da camioneta e viu aquele casario, em cima do rio, ficou assustado. Em vinte e quatro horas tinha deixado o campo, e passado para a grande cidade. Foi uma mudança muito brusca

Pouco depois, chegou a prima dele, entraram no Cacilheiro e atravessaram o Rio. Tinha sido um dia muito intenso: todas as terras por onde a camioneta passou, passageiros a entrarem e saírem, aquele grande rio, finalmente a grande cidade. Caminharam a pé, pela avenida 24 de Julho, viraram para a rua São Bento, chegaram à rua dos Prazeres, paralela à rua de São Bento, onde a prima morava. Estava uma tarde maravilhosa, cheia de sol

No dia seguinte, subiram a rua da Imprensa Nacional, até ao Lugar de Frutas e Hortaliças, para onde ele ia trabalhar.  A futura patroa, disse para a prima dele: “ mais um para eu acabar de criar”

Quando o patrão chegou das compras, foram saber o que as freguesas necessitavam, apontavam num role, a seguir iam entregar-lhes o que tinham encomendado

No dia seguinte, o José foi sozinho, não foi fácil dar conta do recado. Por vezes, tocava na campainha errada. Pedia desculpa, continuava a sua tarefa de saber o que é que as freguesas queriam

Os primeiros dias, os primeiros meses foram muito difíceis. Os patrões eram do Distrito da Guarda, por vezes não se entendiam, parecia que estavam a falar línguas diferentes. As freguesas estavam, constantemente a emendá-lo, dizendo-lhe que não era lete, que era leite, que não era mantega, que era manteiga. O que fez com que tentasse pronunciar corretamente as palavras

Dois ou três meses depois, a mãe foi, a Lisboa, a uma consulta com o outro filho, na qual, os médicos decidiram que não o voltavam a operar. Quando se dirigiam os três, para verem o José, no Lugar de Frutas e Hortaliças, encontraram-no na rua da Escola Politécnica. Foi um encontro dramático, José caminhava debaixo de uma grande grade de madeira, onde, todos os dias, eram transportadas as hortaliças, dentro da grade vários cestos de fruta vazios, para serem devolvidos aos produtores. O José não se via, parecia que a grade e os cestos caminhava sozinhos. A Alice, ao ver o filho com a enorme grade às costas, disse que o levava com ela. A prima disse-lhe para, depois do jantar, ir a casa dela, para se despedir da mãe.

 

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