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cheia

cheia

25
Mai23

O Império

cheia

O Império – As teias que o Império teceu

10

O Januário fazia tudo para merecer a admiração daquela família, que em breve, esperava fosse também a sua

Sempre agarrado à sua Rosinha, procurava ajudá-la em tudo o que podia, até nos trabalhos do campo, onde só se viam mulheres a trabalhar

Mulheres e homens estavam todos muito admirados com aquele banco, nunca tinham visto nenhum branco a viver com uma preta, no quimbo, e a fazer trabalhos que eles nunca faziam, uma vez que só se dedicavam à caça e à pesca. Os outros trabalhos eram para as mulheres

O Soba, que tinha mais de uma dúzia de mulheres, quanto mais mulheres um homem tivesse, mais rico era, porque elas é que trabalhavam, uma delas, irmã da Rosinha, achou aquela ligação e procedimentos muito estranhos, e receava que aquele casal viesse destabilizar a sua comunidade

Os Sobas eram, não sei se continuarão a ser, as pessoas a que toda a sua comunidade obedecia, sem contestação

Assisti, em 1970, perto de Nova Lisboa, à escolha de homens para irem trabalhar numa fazenda de café, no norte de Angola, os chamados contratados, que deram origem a uma canção de protesto

A população estava toda reunida: homens, mulheres e crianças, por perto estava um autocarro vazio, para encher, era quase pôr-do-sol, o Soba ia correndo o olhar, e de repente apontava para um homem, que sem qualquer resistência ia para o autocarro, mesmo que a mulher gritasse, chorasse e o quisesse segurar, e foi assim até o autocarro ficar cheio e ter sido fechado

Só no dia seguinte é que seguiriam para o seu triste destino de onde muitos não voltariam

"Eu queria escrever-te uma carta, amor
Uma carta que dissesse deste anseio
Deste anseio e te ver
Deste receio de te perder
Deste mais que bem querer que sinto
Deste mais que bem querer que sinto
Deste mal indefinido que me persegue
Desta saudade a que vivo todo entregue

Eu queria escrever-te uma carta, amor
Eu queria escrever-te uma carta, amor
Uma carta de confidências íntimas
Uma carta de lembranças de ti
De ti
Dos teus lábios vermelhos como tacula
Dos teus cabelos negros como diloa
Dos teus olhos doces como macongue
Dos teus seios duros como maboque
Do teu andar de onça
E dos teus carinhos
Que maiores não encontrei por aí

Eu queria escrever-te uma carta, amor
Que recordasse nossos dias
Nossos dias na capopa
Nossas noites perdidas no capim
Que recordasse a sombra
Que recordasse a sombra que nos caia dos jambos
O luar que se coava das palmeiras sem fim
Que recordasse a loucura
Da nossa paixão
E a amargura da nossa separação

Eu queria escrever-te uma carta, amor
Que a não lesses sem suspirar
Que a escondesses de papai Bombo
Que a sonegasses a mamãe Kiesa
Que a relesses sem a frieza
Sem a frieza do esquecimento
Uma carta que em todo o Kilombo
Outra a ela não tivesse merecimento

Eu queria escrever-te uma carta, amor
Eu queria escrever-te uma carta, amor
Uma carta que ta levasse o vento que passa
Uma carta que os cajus e cafeeiros
Que as hienas e palancas, que os jacarés e bagres
Pudessem entender
Para que se o vento a perdesse no caminho
Os bichos e plantas
Compadecidos de nosso pungente sofrer
De canto em canto
De lamento em lamento
De farfalhar em farfalhar
Te levassem puras e quentes
As palavras ardentes
As palavras magoadas da minha carta
Que eu queria escrever-te amor

Eu queria escrever-te uma carta
Mas, ah, meu amor, eu não sei compreender
Por que é, por que é, por que é, meu bem
Que tu não sabes ler
E eu - Ó! Desespero! - não sei escrever também
Não sei escrever também "

(Carta de António Jacinto  do AmaralMartins, Luanda 28 de setembro de 1924 - Lisboa 23 de Junho de 1991)

Continua

 

07
Fev22

Pais (9)

cheia

País (9)

Depois de ouvirem, com toda a atenção, os pais, tanto a Inês, como o Pedro perguntaram-lhes o que se podia fazer, para inverter a situação

Os pais disseram-lhes que pouco se podia fazer, porque os portugueses, para além de serem aventureiros, procuravam fazer fortuna fácil, viver de expedientes, não se importando de entregarem as suas poupanças a quem lhes prometesse melhor taxa de juro, sem quererem saber como o dinheiro era aplicado, para render o dobro do que era normal, convivem bem com as desigualdades, a corrupção, a cunha, não tendo brio no cumprimento das suas obrigações, vangloriando-se de não pagarem os impostos

Mas, se queriam fazer alguma coisa para inverter a situação, primeiro tinham de dar o exemplo, não fazendo nada que, moralmente, fosse condenável

Depois, tinham de se aplicar nos estudos, para poderem colocar os seus conhecimentos ao serviço do desenvolvimento do país, com a condição de que beneficiasse os mais desfavorecidos

Chamaram-lhes, mais uma vez, a atenção para as grandes desigualdades entre as cidades e o campo

Nas cidades, a maior parte dos habitantes têm emprego certo, férias, viajam pelo país e estrangeiro, ainda que alguns aproveitem as férias para fazerem outros trabalhos, porque os ordenados não chegam para as despesas, e outros, sem emprego, vivem da caridade

Nos campos, muitos não têm férias, não viajam, num país com muitas praias, nunca foram à praia, nem nunca puseram um pé num avião ou num barco

A luta por melhores condições de vida, de quem trabalha por conta de outrem, tem sido longa e dura

Primeiro foi a conquista das oito horas diárias de trabalho (48 horas por semana)

Depois a obtenção da semana à inglesa, de segunda a sexta, 40 horas, ao sábado, das 9 às 13 (44 horas)

A seguir a semana à americana (descanso ao sábado e domingo)

Alguns, já conseguiram 7 horas diárias (35 horas semanais)

Fala-se na semana de 4 dias, o que é muito bom, porque precisamos de tempo, para viver, e é possível, porque com as novas tecnologias, somos muito mais produtivos

A Ana e o Francisco disseram-lhes que o país, só depois da Revolução de 25 de Abril de 1974, se tornou num país democrático e, só com a Constituição de 1976, as mulheres obtiveram o direito a votarem, nem mesmo com a implantação da República, em 1910, o tinham conseguido

Um país com muitos analfabetos, em que só uma minoria tinha direito à instrução

Com o fim da segunda guerra mundial, os Governantes, viram-se obrigados a criarem escolas, em todo o país

Como não tinham nem professores nem escolas, decidiram criar postos escolares, até em casas particulares, e formaram professoras regentes, que tinham menos estudos que as professoras oficiais

Muitos pais não queriam mandar os filhos à escola, porque contavam com o trabalho dos filhos mais velhos, para ajudarem a criar os mais novos

Os casais tinham muitos filhos, as raparigas eram as mais sacrificadas, começavam com poucos anos a ajudarem as mães

Às que mostravam interesse em ir para a escola, era- lhes dito que as mulheres não precisavam de saber ler, nem escrever, tinham era de aprender a fazer a lida da casa

A Inês e o Pedro estavam horrorizados com o que os pais lhes tinham revelado, e disseram: “ ainda bem que nascemos quando já não havia essas desigualdades entre homens e mulheres!”

Continua

 

 

03
Fev22

Pais (8)

cheia

Pais (8)

A todos prometeram que voltariam em breve, com mais tempo, talvez nas férias do Natal, ou nas férias grandes, no verão

A Ana, o Francisco e os filhos ficaram muito felizes, por terem encontrado a família que ainda não conheciam

Os tios e os primos também ficaram contentes por verem os sobrinhos e os primos muito felizes com os pais adotivos

A Inês e o Pedro não compreendiam a razão por que os primos não andavam na escola, como eles

Os pais explicaram-lhes que muitas crianças, cujos pais não tinham possibilidades para que continuassem a estudar, só faziam os estudos obrigatórios, que eram a quarta classe

Na terra dos avós adotivos, já tinham reparado que a vida no campo era muito diferente da da cidade

Mas como eles já não tinham animais para tratarem, apenas tinham umas hortaliças nas hortas, e eles passavam a maior parte do tempo a brincar com os amigos, que viviam no estrangeiro, nunca se tinham apercebido da real dureza da vida no campo

Na terra dos pais biológicos, em contato com os tios e os primos, é que viram como eles chegavam exausto e sujos, depois de um longo dia de trabalho, no campo, tendo, ainda de  tratar dos animais, que estavam presos!

Começaram a dar mais atenção ao que se passava no campo e na cidade, não compreendendo a razão por que é que os trabalhadores do campo não eram valorizados, mesmo trabalhando mais horas e fazendo trabalhos mais duros

A Ana e o Francisco disseram-lhes que as desigualdades eram as grandes responsáveis pela desertificação do interior, todos queriam ir para as grandes cidades, onde os trabalhos eram mais leves, trabalhavam menos horas e tinham um ordenado certo no fim do mês, sabiam com o que poderiam contar

No campo tinham muito trabalho na preparação da terra, nas sementeiras, não sabendo o que colheriam, porque uma intempere podia estragar tudo

Com o início da guerra colonial, os rapazes que voltavam da guerra, já não queriam voltar para as suas terras

Os que não conseguiam emprego nas grandes cidades, começaram a emigrar

Dizendo-lhes que eram os filhos desses emigrantes, que brincavam com eles, na terra dos avós, quando iam para lá passar as férias de verão.

 

Continua.

 

 

20
Set21

Sol de inverno

cheia

Sol de inverno

 

O sol contínua bem-disposto

Mas, cada vez é menos

Todos os dias se esconde um pouco

Vai para outras paragens

Assim vai continuar por mais três meses

Não se afeiçoa a ninguém

Mantem-se neutral

No que dele depender

Para todos quer ser igual

Quando nasce é para todos

Quem é que não quer um lugar ao sol!

Um bom bronzeado

Uma casa soalheira

Sem vizinhos à sua beira

Boa comida caseira

Um passeio à feira

Para comprarem castanhas assadas

Saudarem o outono

Menos horas de sol

Menos horas de trabalho no campo

Para compensação das muitas no verão

Uma excelente distribuição

Uma vez que não lhe podemos deitar a mão

Para o ano espero por ti

Meu querido verão.

 

José Silva Costa  

 

 

 

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