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cheia

cheia

30
Nov23

O Império

cheia

O Império – As teias que o Império teceu

 

37

Finalmente chegara a hora do Januário embarcar para o Brasil. Munido da carta, do Governador de Angola, dirigida ao Governador do Brasil

A despedida foi muito triste e dolorosa: todos achavam que era uma missão muito difícil, receavam que a Januário não voltasse, mas ninguém tinha coragem de o dizer, pelo contrário, diziam que tudo ia correr bem e que em breve estaria de volta

A Rosinha já estava arrependida de o ter apoiado na ida ao Brasil, pela primeira vez a família ia separar-se. Mas, o que mais a preocupava era a hipótese do marido não voltar do outro lado do Atlântico

Embarcou num tumbeiro carregado com três mil escravos, em condições desumana, apertados, como sardinha em lata

Foram dois meses horríveis, todos os dias tinham de atirar os mortos ao mar

A viagem parecia nunca mais acabar, tantos dias só a ver mar

Quando chegaram ao Rio de Janeiro, quase metade dos escravos tinha morrido, e os que sobreviveram mal se conseguiam pôr de pé e andar

O Januário estava horrorizado. Mas, mais horrorizado ficou, quando viu as condições em que os escravos viviam e trabalhavam, nas fazendas

Acompanhado de dois guias, disponibilizados pelo Governador e de uma carta, que este lhe entregara, para poder visitar todas as fazendas que quisesse, passou ano e meio a calcorrear o Brasil, sem que conseguisse encontrar uma pista que o levasse a encontrar o sogro ou os cunhados

Muito longo é o Brasil, dizia ele para os acompanhantes, que respondia que ainda só tinha percorrido uma pequena parte

Visitou uma grande parte das fazendas de café, nem todos os fazendeiros se mostravam recetivos a que falasse com os escravos

Nos casos de maior resistência, o Januário mostrava a carta do Governador, o que fazia com que o deixasse cumprir a sua missão

Os três estavam exaustos, já tinham percorrido muitos quilómetros, sob temperaturas muito altas, grandes amplitudes térmicas, sem descansarem o suficiente

O Januário estva desesperado, cansado, sem conseguir uma pista, que o levasse a encontrar os familiares da Rosinha

Tinha muitas saudades dos filhos, da Rosinha, do irmão, da cunhada e do sobrinho, receava não voltar a vê-los

Todos os dias, de manhã, quando faziam os planos para o dia, os guias davam-lhe, sempre, muito apoio, incentivando-o a continuar, a não desistir, dizendo-lhe que de um dia para o outro poderiam encontra-los, e isso é que lhe dava força, para todos os dias prosseguir, mesmo que as pernas dessem sinais de não quererem andar mais

Quando elas não paravam de reclamar, combinava com os companheiros, descansarem mais umas horas

Houve dias em que não caminharam, ficavam a descansar, para que o corpo recuperasse  de tanto esforço

Custava-lhe perder esses dias, queria acabar a missão, quanto antes, para voltar para o seio da família.

 

 

Continua   

 

 

18
Set20

Santa Cruz dos Dembos

cheia

Mazelas da guerra

Fazenda Santa Cruz dos Dembos

                                                                             Continuação

Um procedimento, que me chamou à atenção, foi o de que, quando caminhavam, nas picadas, e avistavam as nossas viaturas, as pessoas afastavam-se das bermas uns 10 a 20 metros

 Não consegui saber a razão, mas suponho que deve ter a ver com procedimentos menos corretos, no início da guerra

Para quem não saiba, quando a guerra começou, em 1961, no Norte de Angola, houve muita violência de parte a parte

Por isso, talvez, ainda, se lembrassem dos tempos negros do início da guerra

Durante os 9 meses que estivemos no Norte de Angola, acho que nenhum militar da minha companhia teve relações sexuais com as mulheres das povoações, ao contrário do que aconteceu, quando fomos para a zona de Nova Lisboa

Dizia-se que o avião que levava o pré, para Maquela do Zombo, também transportava as prostitutas

Durante os 9 meses que estivemos naquele acampamento, nunca lá vi nenhum civil, evitavam a nossa companhia

Mesmo assim tínhamos, todos os dias de içar e arriar a Bandeira Nacional, às 6 e 18 horas, para que aprendessem as suas cores, coisa que não fomos capazes de fazer em cinco séculos, tal como não lhes conseguimos ensinar a nossa língua

 

Antes do Natal de 1969, ainda estivemos 2 meses destacados na Fazenda Santa Cruz dos Dembos, uma fazenda de café, cuja variedade de cafeeiros tinha de ter sombra

Uma mata tão densa, que quase não se via o sol, desbastavam-na, deixando algumas árvores muito altas, para fazerem sombra aos cafeeiros

Na fazenda trabalhavam cerca de 70 trabalhadores vindos do centro de Angola, porque os do Norte só se dedicavam à construção de armadilhas para caça e pesca

Estes homens estavam a abrir uma picada, cortando arvores, que 2 homens não conseguiam abraçar, só com machados

Quem os comandava, um Cabo-verdiano, estava constantemente a dizer que queria ouvir a sinfonia dos machados

Nós tínhamos como missão dar-lhes proteção, como estavam destacados 2 pelotões, dia-sim-dia-não, lá íamos

Num dos dias em que ficámos de descanso, o outro pelotão sofreu uma emboscada, uma rajada atingiu 2 soldados, que tiveram de ser evacuados, para Lisboa, felizmente ficaram bem

A Companhia tinha um Furriel Miliciano com a especialidade de enfermeiro, coadjuvado por três ou quatro maqueiros, que sabiam dar injeções e fazer pensos

O maqueiro que estava connosco era louco por borboletas, passava o tempo todo a injeta-las, para as embalsamar

Um dia teve de dar uma injeção, ao Alferes do meu pelotão, a qual lhe causou uma grande infeção, teve de ser internado, porque a seringa não estava devidamente desinfetada

Já não me lembro se os trabalhos passaram a ser dia-sim-dia-não, o que me lembro é um dia estava com o outro Alferes, e depois do almoço, perguntou-me se era voluntário para ir com ele, porque queria saber para onde ia a picada, respondi-lhe que na tropa não era voluntário para nada

Ordenou-me que fosse com ele, mais dois soldados e um guia, munido de catana, para abrir o caminho, para que pudéssemos penetrar naquele labirinto.

As horas foram-se passando, já não sabíamos como sair dali, começámos por marcar as árvores, não adiantou, a seguir foi por votação, quando três diziam para onde era, lá íamos, mas também não resultou

 Disse-lhe que o melhor era fazermos fogo para o ar, na esperança de que os nossos camaradas, que tinham ficado a dar proteção aos trabalhadores, nos respondessem

Felizmente resultou, conseguimos, antes de o sol se pôr, sair do labirinto

Caso estivesse por ali perto, algum inimigo, tinha-nos apanhado à mão, porque a nossa desorientação era total

Monangambé, que significa contratado, é um poema de António Jacinto, musicado em 1960, às escondidas, por Rui Mingas

Letra de Monangambé

Naquela roça grande

não tem chuva

é o suor do meu rosto

que rega as plantações;

Naquela roça grande

tem café maduro

e aquele vermelho-cereja

são gotas do meu sangue

feitas seiva

o café vai ser torrado

pisado,

torturado,

negro da cor do contratado

 

Negro da cor do contratado!

 

Perguntem às aves que cantam,

aos regatos de alegre serpentear

e ao vento forte do sertão:

Quem se levanta cedo?

quem vai à tonga?

quem traz pela estrada longa

a tipóia ou o cacho de dendém? 

Quem capina

e em troca recebe desdém

fuba podre,

peixe podre,

panos ruins,

cinquenta angolares

 porrada se refilares”?

Quem?

Quem faz o milho crescer

E os laranjais florescer?

- Quem?

Quem dá dinheiro para o patrão comprar

máquinas,

carros,

senhoras

e cabeças de pretos para os motores?

Quem faz o branco prosperar

ter barriga grande

ter dinheiro?

_ Quem ?

e as aves que cantam

os regatos de alegre serpentear

e o vento forte do sertão

responderão:

- “ Monangambééé…..”

Ah! Deixem-me ao menos

subir às palmeiras

Deixem-me beber maruvo  ( seiva de palmeira, retirada junto às folhas, como se faz para retirar a resina)

E esquecer

diluído nas minhas bebedeiras.

 

Já tinha ouvido a canção dos contratados, mas nunca me tinha cruzado com eles

Quis o destino que primeiro visse o que faziam e como eram tratados, e menos de um ano depois, sem contar, assistisse ao seu recrutamento

Estava nos arredores de Nova Lisboa, quase pôr-do-sol, quando vi um grande alvoroço, numa das povoações dos arredores da cidade

Fui até lá, fiquei à distância a observar. Estavam todos reunidos, mulheres e homens, as mulheres agarravam-se aos seus homens, gritavam e choravam, o Soba ia correndo olhar por todos, de repente apontava para um, que imediatamente entrava no autocarro, que os iria levar, sem qualquer contestação

Assim que o autocarro ficou cheio, fecharam as portas. Disseram-me que partiriam na madrugada do dia seguinte

Diziam que aqueles homens, quando regressassem, os que o fizessem, pouco ou nada trariam, porque tinham de pagar a alimentação, o alojamento, etc.

 

Continua

 

 

 

   

 

  

 

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