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28
Set23

O Império

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O Império – As teias que o Império teceu

 

28

 

Frei Luís Brandão escreveu a um jesuíta, que questionou a legalidade da escravatura dos nativos angolanos: ” Estamos aqui há quarenta anos e tem havido muitos homens instruídos aqui e na colónia do Brasil que nunca consideraram o comércio ilícito."

Acrescentando que apenas um pequeno número de nativos teria sido escravizado

Angola terá exportado 10.000 escravos por ano

Mesmo que nem todos tenham aderido ao pedido do governador, para que fugissem para o Forte de Massangano, este não conseguiu albergar a multidão, muitos ficaram fora do Forte, ocupando o espaço à sua volta

O Januário, o irmão e outros foram incumbidos de organizarem e ajudarem na defesa do Forte, a pedido Governador

Às mulheres pediu-lhes que se dedicassem às lavras, para que pudessem alimentar toda aquela gente

A Rosinha disse-lhe que tinha trazido algumas sementes, que iria semear, para obter mais sementes e, assim, conseguirem produzir quanto fosse possível

De seguida pediu à Miquelina que a ajudasse na organização de uma reunião com todas as mulheres, para distribuírem as tarefas, de modo a que todas participassem e se sentissem mobilizadas para a nobre missão de alimentar tantas bocas

Tinham de formar equipas, trabalhar por turnos, escolher as que ficariam encarregues de tratar das crianças, não lhe faltavam tarefas

A cultura do amendoim tinha de ser guardada, todo o dia, assim que o amendoim estivesse quase formado, para que os macacos não se antecipassem a colhê-los

Muita gente, em pouco espaço cria, sempre, atrito, que foi atenuado por terem de estar unidos contra a ocupação dos holandeses

Um ano antes da ocupação de Lunda, pelos holandeses, o Forte de Massangano tinha  sido  atacado pelas forças da rainha Nzinga, sendo as suas duas irmãs, Cambu e Fungi, feitas prisioneiras, a última das quais foi executada em agosto de 1641

Com a ocupação de Luanda pela Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, Massangano passou a funcionar como capital de Angola

Devido à sua posição estratégica, perto da confluência de dois rios, torna-se a povoação mais importante do interior, centro do comércio e das operações militares, que se faziam na Jamba, Dong, Libolo.

 

Continua

 

 

21
Set23

O Império

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O Império – As teias que o Império teceu

 

27

A partir de 1637, João Maurício de Nassau foi nomeado governador-geral da colónia holandesa, no Brasil, um alemão, que prosperou como militar, na Holanda, sendo convidado pela sua atuação como militar e por possuir parentes influentes

Os bons negócios têm, sempre, muita concorrência: todos gostam de ganhar muito, com pouco trabalho

Outros povos, também, já tinham despertado para a comercialização dos povos africanos, sendo que os holandeses eram os mais ferozes concorrentes, tentando substituir os portugueses, guerreando-os no Brasil

A Companhia Neerlandesa das Índias Ocidentais ocupou o Nordeste do Brasil em 1630

Decidiu invadir Angola, por necessitar de mais escravos para levar para o Nordeste Brasileiro

A ocupação holandesa de Angola, denominada oficialmente Loango-Angola, foi em 25 de agosto de 1641, comandada pelo Almirante Cornelis Jol apoiado por 18 navios

A intenção da Companhia seria mesmo ficar em Angola, dados os planos de construir um canal desde o Rio Cuanza, a sul, até Luanda

Quando os irmãos se reencontraram, Quando o negócio da escravatura estva a correr bem, quando a Rosinha e o Januário, juntamente com o Ezequiel e a Miquelina tinham acabado de inaugurar a nova casa, na cidade de Lunada, é que os holandeses tinham de invadir Angola!

Antes dos holandeses entrarem na cidade, o governador pediu à população, que fugisse para o Norte, para o Forte de Massangano

A Fortaleza de Massangano foi construída em 1583, nas margens do rio Cuanza, representando a presença militar portuguesa, em Angola

 

Massangano é uma pequena localidade angolana, que pertence ao município de Cambambe, província do Cuanza Norte. A localidade dista cerca de 25 km da cidade do Dondo, capital do município. Uma comunidade pequena, localizada nas margens do rio Cuanza, composta maioritariamente por camponeses e pescadores

O Forte de Nossa Senhora da Vitória de Massangano, popularmente conhecido como Forte de Massangano ou Fortaleza de Massangano era praça de armas donde partia socorro em gente, mantimentos e armas para as fortalezas do Cuanza, nomeadamente a de Muxima, ao longo dos séculos XVII e XVIII

Até parecia que a chegada do Ezequiel e da Miquelina tinha dado azar. Por outro lado, os quatro concordaram que, juntos, seria mais fácil enfrentarem os duros, negros e longos anos, que se avizinhavam com a chegada dos holandeses

Nem todos responderam ao pedido do governador: as irmãs e a mãe da Rosinha não quiseram deixar a sua casa e as suas lavras

Para outros, tanto lhes dava que fossem os portugueses ou os holandeses a governarem a cidade, o que queriam era continuar com as suas vidas, sem quererem saber de quem os governava

Para os naturais de Angola, que não viviam na dependência do governador, não viam grade diferença entre portugueses e holandeses, porque o que ambos queriam era mão-de-obra escrava para os engenhos do Brasil

A grande diferença, segundo Frei Luís Brandão, chefe do colégio jesuíta de Luanda, em 1610, seria o facto de os portuguese, pelo menos, os terem convertido ao cristianismo.

 

Continua

 

 

 

01
Jun23

O Império

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O Império – As teias que o Império teceu

11

O Januário perdera o medo, já se sentia plenamente integrado naquela comunidade, queria aprender a língua, os costumes, para saber como proceder e ser admirado e respeitado, por todos

Em breve a sua Rosinha dar-lhe-ia um filho ou uma filha, queria ser um pai exemplar, tencionava conseguir um trabalho, um negócio, fosse o que fosse, tinha era de dar para terem uma vida digna e na cidade de Luanda

O que não sabia era que tinha infringido uma lei do Reino, que não permitia que brancos tivessem relações sexuais com pretas, nem pretos com brancas, para que não aparecessem mulatos

Uma lei de Filipe II de Portugal, publicada em 1620, por estarem a aparecer muitos mulatos e mulatas nas Ilhas de Cabo Verde

Ilhas que devem o seu nome ao facto dos portugueses terem dado esse nome a um cabo, na costa do Senegal, que servia de referência, quando queriam ir para essas ilhas, sabendo que estavam no mesmo paralelo a 500 km da costa.

Descobertas em 1462, as Ilhas de Cabo Verde tiveram um papel muito importante no desenvolvimento da escravatura, tornando-se numa grande plataforma para o comércio de escravos

Tendo sido o primeiro sítio onde foram utilizados escravos nas plantações de cana-de-açúcar, cultura do algodão e nas quintas de pecuária, chegavam a ter mais de 30 escravos, que asseguravam a ordenha das vacas, fazer os queijos, a manteiga e muitas outras tarefas

As Ilhas, e em primeiro lugar a de Santiago, foram povoadas por algarvios, madeirenses e nortenhos, por parte da Europa e também por escravos por parte de África

Esta mistura provocou o aparecimento de muitos mulatos e mulatas, que Filipe II quis conter com a sua lei de 1620 e, ainda, com o pedido de que enviassem mulheres brancas para Cabo Verde

Mas nem uma nem outra deram resultado, porque não conseguiram que brancos não tivessem relações sexuais com pretas, nem pretos com brancas

Como dizem na minha terra, a estopa ao pé do lume incendeia

Muitos comerciantes estabeleceram-se em Santiago, para se dedicarem ao comércio de escravos, faziam incursões à costa de África, mas precisavam de intérpretes, que tinha de saber mais que a língua, tinham de se saber movimentar nos meandros da escravatura, por isso nasceu a profissão de o língua, que não podia faltar, para ajudar a fazer os negócios

À ilha de Santiago chegavam muitos escravos, vindos do continente africano, para, depois serem enviados para as Antilhas, as Américas e a Europa, o que fazia com que a Ilha tivesse tido um grande desenvolvimento, que se manteve até os portugueses se estabelecerem na Guiné, que fez com que os comerciantes deixassem de utilizar a ilha de Santiago, e enviassem os escravos diretamente da costa Africana, para os destinos finais

 

A cativa de Camões

aquela cativa
que me tem cativo,
porque nela vivo
já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa
em suaves molhos,
que para meus olhos
fosse mais fermosa.

Nem no campo flores,
nem no céu estrelas
me parecem belas
como os meus amores.
Rosto singular,
olhos sossegados,
pretos e cansados,
mas não de matar.

Uma graça viva,
que neles lhe mora,
para ser senhora
de quem é cativa.
Pretos os cabelos,
onde o povo vão
perde opinião
que os louros são belos.

Pretidão de Amor,
tão doce a figura,
que a neve lhe jura
que trocara a cor.
Leda mansidão,
que o siso acompanha;
bem parece estranha,
mas bárbara não.

Presença serena
que a tormenta amansa;
nela, enfim, descansa
toda a minha pena.
Esta é a cativa
que me tem cativo;
e, pois nela vivo

É força que viva.

 

Poema que terá sido inspirado num relacionamento amoroso, que o poeta terá tido com uma escrava, em Cabo Verde. Este poema está traduzido para Crioulo.

 

 

Continua

 

 

25
Mai23

O Império

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O Império – As teias que o Império teceu

10

O Januário fazia tudo para merecer a admiração daquela família, que em breve, esperava fosse também a sua

Sempre agarrado à sua Rosinha, procurava ajudá-la em tudo o que podia, até nos trabalhos do campo, onde só se viam mulheres a trabalhar

Mulheres e homens estavam todos muito admirados com aquele banco, nunca tinham visto nenhum branco a viver com uma preta, no quimbo, e a fazer trabalhos que eles nunca faziam, uma vez que só se dedicavam à caça e à pesca. Os outros trabalhos eram para as mulheres

O Soba, que tinha mais de uma dúzia de mulheres, quanto mais mulheres um homem tivesse, mais rico era, porque elas é que trabalhavam, uma delas, irmã da Rosinha, achou aquela ligação e procedimentos muito estranhos, e receava que aquele casal viesse destabilizar a sua comunidade

Os Sobas eram, não sei se continuarão a ser, as pessoas a que toda a sua comunidade obedecia, sem contestação

Assisti, em 1970, perto de Nova Lisboa, à escolha de homens para irem trabalhar numa fazenda de café, no norte de Angola, os chamados contratados, que deram origem a uma canção de protesto

A população estava toda reunida: homens, mulheres e crianças, por perto estava um autocarro vazio, para encher, era quase pôr-do-sol, o Soba ia correndo o olhar, e de repente apontava para um homem, que sem qualquer resistência ia para o autocarro, mesmo que a mulher gritasse, chorasse e o quisesse segurar, e foi assim até o autocarro ficar cheio e ter sido fechado

Só no dia seguinte é que seguiriam para o seu triste destino de onde muitos não voltariam

"Eu queria escrever-te uma carta, amor
Uma carta que dissesse deste anseio
Deste anseio e te ver
Deste receio de te perder
Deste mais que bem querer que sinto
Deste mais que bem querer que sinto
Deste mal indefinido que me persegue
Desta saudade a que vivo todo entregue

Eu queria escrever-te uma carta, amor
Eu queria escrever-te uma carta, amor
Uma carta de confidências íntimas
Uma carta de lembranças de ti
De ti
Dos teus lábios vermelhos como tacula
Dos teus cabelos negros como diloa
Dos teus olhos doces como macongue
Dos teus seios duros como maboque
Do teu andar de onça
E dos teus carinhos
Que maiores não encontrei por aí

Eu queria escrever-te uma carta, amor
Que recordasse nossos dias
Nossos dias na capopa
Nossas noites perdidas no capim
Que recordasse a sombra
Que recordasse a sombra que nos caia dos jambos
O luar que se coava das palmeiras sem fim
Que recordasse a loucura
Da nossa paixão
E a amargura da nossa separação

Eu queria escrever-te uma carta, amor
Que a não lesses sem suspirar
Que a escondesses de papai Bombo
Que a sonegasses a mamãe Kiesa
Que a relesses sem a frieza
Sem a frieza do esquecimento
Uma carta que em todo o Kilombo
Outra a ela não tivesse merecimento

Eu queria escrever-te uma carta, amor
Eu queria escrever-te uma carta, amor
Uma carta que ta levasse o vento que passa
Uma carta que os cajus e cafeeiros
Que as hienas e palancas, que os jacarés e bagres
Pudessem entender
Para que se o vento a perdesse no caminho
Os bichos e plantas
Compadecidos de nosso pungente sofrer
De canto em canto
De lamento em lamento
De farfalhar em farfalhar
Te levassem puras e quentes
As palavras ardentes
As palavras magoadas da minha carta
Que eu queria escrever-te amor

Eu queria escrever-te uma carta
Mas, ah, meu amor, eu não sei compreender
Por que é, por que é, por que é, meu bem
Que tu não sabes ler
E eu - Ó! Desespero! - não sei escrever também
Não sei escrever também "

(Carta de António Jacinto  do AmaralMartins, Luanda 28 de setembro de 1924 - Lisboa 23 de Junho de 1991)

Continua

 

18
Mai23

O Império

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O Império – As teias que o Império teceu

9

O Casalinho estava cada vez mais feliz, a Rosinha já beijava e abraçava o Januário, com alegria, sem qualquer receio, o que fazia com que ele se sentisse muito feliz

Mas, o facto de nem sempre conseguirem entender-se dificultava uma convivência normal, a língua era o seu maior problema. Mas ela iria continuar a tentar que ele percebesse que era essencial dar as boas notícias à sua família

Por outro lado, o Januário queria dar outro rumo às suas vidas, mais tarde ou mais cedo a sua Rosinha ficaria grávida, e era preciso encontrar maneira de dar aos seus filhos as melhores condições de vida  

Depois de uns meses de lua-de-mel, a barriga da Rosinha começou a crescer, ambos ficaram muito felizes em breve, seriam pais

Foi graças à sua gravidez, que a Rosinha conseguiu convencer o Januário a procurarem a sua família, porque era preciso que na altura do parto, pudesse ter a seu lado, alguém que já    tivesse  passado por essa experiência, para a ajudar

A seguir à alegria, seguiram-se as preocupações, não sabia como seria o futuro, já não se tratava só das vidas deles, mas do bebé, que estava para nascer

Passados alguns dias conseguiram entender-se e foram procurar a família dela, que não vivia muito longe

Tinha um grande terreno, fora da cidade, no lado oposto ao que eles escolheram para passarem os primeiros meses de união, com três cubatas

A mãe e as três irmãs ficaram muito contentes, já a tinham dado como morta, correram para ela, beijaram-na e apertaram-na contra elas, a mãe passou-lhe a mão pela barriga e sorriu, parecendo dizer-lhe que estava muito feliz por estar prestes a ser avó

O Januário esteve a apreciar o reencontro, sem saber qual seria a reação delas, até que a sua Rosinha o foi buscar e apresentou-o à sua família

Não percebia nada do que diziam, mas pelo seu semblante e pela maneira carinhosa com que o receberam, percebeu que não teria dificuldade em integrar-se naquela família

No entanto, não estava completamente tranquilo, tudo aquilo poderia não passar de uma armadilha para o eliminarem, cabia-lhe a ele, agora, sentir o que a Rosinha sentiu quando a raptou, com a diferença de que estava confiante na sua pistola para se defender

Nem a Rosinha sabia que ele tinha uma pistola, mas tinha medo que elas a descobrissem quando ele estivesse a dormir, e aproveitassem para o matar

Foram dias de muita ansiedade para o Januário, não conseguia dormir, a Rosinha percebeu que ele estava diferente, que não tinha a alegria de quando estiveram sozinhos

Tentou dar-lhe mais atenção, fazer o que faziam antes: passearem nas matas para colherem frutos para comerem e também o foi integrando no dia-a-dia da família, para que se sentisse membro de pleno direito.

Continua

 

 

04
Mai23

O Império

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O Império – As teias que o Império teceu

 7

Não há palavras para descrever o que aqueles homens sentiam quando chegavam aos portos

Mas, chegar a Luanda, vindo do oriente, era, ainda, mais emocionante, era entrar no seu oceano, um mar que os viu nascer, que os ajudou a crescer e os fez marinheiros

Januário estava nervoso e ansioso, não sabia quando iria a terra, era um salto para o desconhecido, sem saber o que seria a sua vida dali em diante, ainda não tinha decidido quando abandonaria o barco, tinha pensado em o abandonar quando estivesse para sair para Lisboa

Agora que estava ali tão perto, receava não conseguir voltar ao navio, assim que pusesse pé em terra, o melhor seria preparar-se para na primeira ida a terra procurar uma nova vida

Luanda, com pouco mais de meio século, já era uma cidade muito importante, tinha pertencido ao reino do Ndongo, cujo rei tinha o título de Ngola, que deu o nome de Angola  ( A ngola, deu   Angola  )

Só depois de dez dias de atracarem, o Januário teve ordem de ir a terra, não hesitou, agarrou no que pôde esconder sob as roupas e saiu, não voltando a entrar no barco

Deu uma volta pela cidade, mas não encontrou nada que o pudesse acolher, continuou em direção à Ilha, onde andavam várias mulheres a apanhar uma espécie de búzios, muito apreciados, que já tinham servido de moeda de troca, naquela região

Todas abandonaram a atividade, exceto a mais nova, que continuou na sua azáfama

Januário aproximou-se dela e beijou-a, a rapariga ficou cheia de medo, nunca esquecera o que fizeram ao pai e aos irmãos, tinham-nos levado como escravos, nunca mais os viram

Januário estava preocupado com ela, sentia que o seu coração parecia querer saltar do corpo

Queria acalma-la, dizer-lhe que não lhe queria fazer mal, que a escolhera para mãe dos seus filhos, mas não se conseguiam fazer entender, nem pelos gestos

Com o pano, que tinha trazido do Oriente, embrulhou-a, para que não tivesse frio

Apertou-a contra o seu corpo, beijou-a, não sabia o que fazer para que acreditasse que gostava dela

O sol desapareceu instantaneamente, (em Angola o sol nasce às 6 horas e põe-se às 18 horas, instantaneamente) não podiam ver as reações do corpo um do outro, mas eles manifestavam as suas preocupações: ela chorava, o seu corpo tremia, o coração continuava a querer sair do corpo, enquanto, que ele estava muito nervoso, não a queria magoar, para ele, ela era como que uma boneca de porcelana, que não queria quebrar

Ficaram ali, sentados, toda a noite, tentou agasalha-la para que não tivesse frio, mas receava que ela tentasse fugir, por isso nenhum dormiu nada, ambos acharam que aquela noite nunca mais tinha fim, o que queriam é que o sol voltasse a aparecer, para se olharem olhos nos olhos e tentarem saber o que se passaria dali em diante.

Continua

 

09
Mar23

A sedutora

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Lisboa! A sedutora

20

 

Estavas, Linda Inês, posta em sossego,

De teus anos colhendo doce fruito

Naquele engano da alma, ledo e cego,

Que a Fortuna não deixa durar muito,

Nos saudosos campos do Mondego,

De teus fermosos olhos nunca enxuito,

Aos montes ensinando e às ervinhas

O nome que no peito escrito tinhas. ( canto III, estrofe 120 de os Lusíadas)

 

Era a declamar estes versos, que ele os acordava

E, ficavam tão empolgados, que depois de saírem da aula, ainda iam para o Granada, um café ao lado da Escola, declamar mais versos

Os bons professores sabem como acordar, entusiasmar, interessar, motivar os alunos

Mesmo com os bons professores, não foi possível fazer o segundo ciclo liceal num ano (terceiro, quarto e quinto anos)

Candidatou-se a exame, mas reprovou. Para o ano escolar seguinte voltou a matricular-se, mas já não concluiu o ano letivo, foi chamado para cumprir o serviço militar obrigatório.

A esposa voltou para a casa dos pais, e não queria voltar a viver em Lisboa

Na terceira semana da recruta, num exercício, rachou o calcanhar direito

No fim desse ano nasceu a filha mais velha, no dia do seu primeiro mês, não a pode ver, fez-lhe os primeiros versos

Esteve cerca de um ano no depósito de indisponíveis, na Graça, em Lisboa

Foi presente a uma junta médica, que o declarou apto para todo o serviço militar

Voltou outra vez para as Caldas da Rainha, para fazer a recruta, como instruendo do curso de sargentos milicianos

  Acabada a recruta, foi colocado na Escola Pratica de Cavalaria, em Santarém, onde concluiu o curso de sargentos miliciano, tendo sido graduado no posto de primeiro-cabo miliciano

Em Janeiro de 1969, foi colocado em Lisboa, no Regimento de Cavalaria nº7, onde deu instrução aos soldados, que foram com ele para Angola.

Foi obrigado a recensear-se, havia eleições Presidenciais, quando se realizaram já estava em Angola, e como não teve oportunidade de votar, talvez alguém tenha votado por ele

Calçada da Ajuda acima e abaixo, até Monsanto, onde eram treinadas as táticas de guerra, no Regimento de Lanceiros, 2 tinham à sua disposição uma pista de obstáculos, para se prepararem, para o que em Angola os esperava. Fizeram tiro com balas reais na Serra da Carregueira

Os derradeiros preparativos foram efetuados na Fonte da Telha e na Serra da Arrábida

Em Setúbal, bonita princesa do Sado, na sua avenida Luísa Todi, desfilaram, para que todos se despedissem dos jovens, e vissem como estavam saudáveis, forçados a irem para mais uma guerra sem sentido, como são todas as guerras

As pessoas aglomeram-se nos passeios, para dizerem adeus e desejarem boa sorte, às duas centenas de homens, que nunca mais voltariam a ver, todos, porque a alguns esperava-os a má sorte

Nas vésperas do dia de embarque, foi graduado no posto de furriel miliciano, o que fez com que a esposa recebesse quase 2.800 escudos, referentes aos dois terços do seu vencimento, o máximo que podia ser recebido na Metrópole

Juntaram quase 100.000 escudos, que serviram para remodelar a casinha de 50 m2, que não tinha casa de banho, nem água canalizada, nem eletricidade

A ligação da eletricidade, do exterior ao interior da casa, foi paga com os últimos 7.000 escudos, que recebeu como militar

Valeu a pena ter estudado, vale sempre a pena estudar, mais que não seja, para de outro modo, o mundo apreciar

Em Angola teve um aumento de vencimento, a que só os sargentos e oficias tiveram direito, uma vergonha revoltante, que só poderia ter acontecido num regime ditatorial

Os soldados, com toda a razão, ficaram revoltados, chegando a dizer aos graduados que fossem sozinhos para o mato, mas ninguém corrigiu a injustiça

 Perdeu o Tejo, Lisboa, a Serra de Sintra: tudo, o Atlântico era a nova morada  

Ia fazer 24 anos, fez em Angola os 24, 25 e 26 anos. A tropa roubou-lhe 4 anos de convívio com a família. Felizmente, não lhe roubou a vida, o que aconteceu a muitos

Uma guerra que poderia ter sido evitada, como acontece com todas as guerras, que só servem para causar destruição, dor e morte.

Continua

 

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