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30
Jan25

O Império

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O Império  -  As teias que o Império Teceu

98

O sono venceu-os, os pais tiveram de os ir deitar, a Milene, filha da Leopoldina e do Jeremias, acabou por pernoitar no palácio

As três crianças, bem como os familiares e os que desembarcaram, em Luanda, tinham enfrentado um dia longuíssimo, não admira que todos estivessem muito cansados, as crianças foram as primeiras a adormecer

Os adultos continuavam na euforia de conseguirem resumir cinco anos em uma noite. Mas, também, eles acabaram por ter de ir dormir, com a promessa de continuarem no dia seguinte

A Rosinha, devido à sua avançada idade e debilidade, dormiu, pela primeira vez, no palácio do compadre, perto da neta e do neto, acontecimento, que tanto tinha esperado, para que acontecesse

Já o dia lavava os olhos, quando decidiram ir dormir, o Manuel, Governador de Angola, convidou todos, para o almoço, porque tinham de continuar a dissecar o que se tinha passado, naqueles cinco anos, em África e na Europa

Como se deitaram muito tarde, já a lua se tinha ido embora, pediram que o almoço não fosse muito cedo, o anfitrião desejou-lhes boa noite, quando o sol já tudo iluminava, acrescentando que dormissem bem, que a hora do almoço seria atrasada, para que todos descansassem da dura jornada

O Afonso e as primas é que não conseguiram dormir tudo, tinham de continuar a fazer o que o sono tinha interrompido

Assim que acordaram, não fossem os criados tê-los obrigado a tomarem o pequeno-almoço, nem teriam sentido a sua falta, tal era a vontade de saberem tudo, uns dos outros, para ensinarem uns aos outros tudo o que sabiam

O almoço prolongou-se por várias horas, nunca o palácio tinha visto tanta alegria, tanta troca de ideias, sobre os dois continentes

Antes de cada um ir para seu lado, o Governador propôs que fizessem uma grande festa, para comemorarem o regresso da Marina, do marido e do filho, mas esta disse que não queria festa, pediu que com o dinheiro, que se gastaria, fosse criado um posto médico

O pai disse que concordava, que teria todo o seu apoio para arranjar um local onde pudesse ajudar a população, com os conhecimentos, que tinha adquirido na Universidade de Coimbra.

Continua

 

23
Jan25

O Império

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O Império  -  As teias que o Império teceu

97

Chegara a hora de atracar a nau do comandante da armada, era preciso agir rapidamente, porque as horas de sol eram poucas

Enquanto estiveram ao largo, a Marina e o Roberto explicaram ao filho que a linda cidade, que viam, era Luanda, a sua cidade, onde contavam encontra  a avó Rosinha, o avô Manuel, governador da colónia de Angola, e muitos outros familiares: uma tia avó e um tio avô, muitos tios, tias e as primas Milay e Milene

O areal estava semeado de gente, todos queriam ser os primeiros a ver quem vinha para Angola e quem regressava à sua terra

A Rosinha, o compadre e restante família estavam junto à escada, que ligava o cais à nau, o primeiro a sair foi o comandante da armada, a quem o governador deu as boas-vindas, o comandante agradeceu-lhe a calorosa receção e disse que lhe entregava a filha, o genro e o bonito neto sãos e salvos, a seguir a Marina abraçou e beijou o pai, que a seguir abraçou o genro, pegou ao colo o Afonso, não parava de o beijar e abraçar, parecia querer recuperar todo o tempo em que não o pôde ver

Mal o avô o libertou, a avó olhou-o de alto abaixo, prendeu-o nos seus magros e longos braços, beijou-o, disse-lhe que era muito bonito, que estava muito feliz por o conhecer

Não havia tempo, para mais cumprimentos, o sol, em breve, imediatamente desapareceria, o Governador, acompanhado do Comandante da Armada, pediu, que os seguissem, que se dirigissem, todos, para o palácio, onde poderiam continuar a falar, da longa separação, do que uns e outros, dos dois continentes tinham para contar, de todas as novidades dos  cinco anos

O Afonso estava atónito com tantos beijos e abraços, quando chegou ao palácio, à casa do avô, foram as tias, os tios e as primas, ( a Milene, mais velha que ele e a Milay, a mais nova dos três)  a abraçarem-no e a beijá-lo

Quando se viu livre de tantos beijos e abraços, foi brincar com as primas, a Milay, que vivia no palácio com os pais e o avô, foi mostrar-lho e tentar adivinhar onde é que ele iria dormir

Enquanto os adultos continuavam a falar sobre os cinco anos de ausência, da Marina e do Roberto, na Europa, querendo saber como era a Metrópole, como eram Lisboa e Coimbra, as duas cidades, que eles conheciam, havia muita curiosidade para saber quais eram as grandes diferenças entre a África e a Europa. O Afonso e as primas, cansados de tanta euforia, já faziam planos, para o dia seguinte, porque a noite já ia longa e o sono apertava

 

Continua

 

09
Jan25

O Império

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95

Os primeiros dias da viagem foram muito calmos, com ventos de feição, as naus navegavam a bom ritmo, os marinheiros estavam muito contentes, era preciso aproveitar as boas condições de navegabilidade, para tentar fazer a viagem, no mais curto espaço de tempo, que nunca seriam menos de 15 ou 16 meses, dependendo de muitos fatores: ventos, estragos nos mastros e velas, reabastecimentos, carregamento das especiarias …….

A primeira viagem de Vasco da Gama demorou dois anos, nas seguintes foram encurtando o tempo por já conhecerem o caminho e saberem como contornar algumas adversidades

O Afonso estava a portar-se muito bem, sem deixar de estar, sempre, a dizer que nunca mais chegavam, perguntando quando é que a água acabava, não se esquecia da Anastácia e do Elisiário, nunca mais queria andar de barco

Os pais bem tentavam distrai-lo, contando-lhe histórias, falando-lhe de África, dos grandes animais selvagens, que ele teria oportunidade de ver, coisa que não podia fazer, na Europa, porque já tinham desaparecido desse continente

Depois de passarem um mês de calmaria, ao passarem na direção das Ilhas de Cabo Verde, enfrentaram uma grande tempestade, que parecia querer engolir os barcos, rasgando-lhes as velas e rachando um mastro

Todos temeram pela vida, até os marinheiros, que já tinham feito a viagem à Índia, diziam que nunca tinham visto uma coisa assim, o que fez com que tivessem de se dirigir para Cabo Verde, o que não estava previsto

Era preciso reparar as velas e o mastro, aproveitaram, também, para reabastecer os navios

Foram quinze dias de atraso, numa viagem, que nunca mais tinha fim

O Afonso pensava que já tinham chegado a Luanda, já perguntava onde estavam os avós

Os pais tiveram de lhe explicar o que se tinha passado, dizendo-lhe que tiveram de aportar na cidade da Praia, em Cabo verde, para reparar, nos barcos, o que o vento e as ondas tinham partido

Depois da escala forçada, fizeram-se de novo ao mar, deixaram as Ilhas de Cabo Verde, voltaram a navegar junto à costa Africana, utilizando a rota já conhecida, marcada por pontos de referência, para que não se perdessem

Voltaram a enfrentar tempestades, mas nenhuma como a que os fez aportar na cidade da Praia

Três meses e pouco de terem deixado Lisboa, avistaram Luanda, o sol estava quase a pôr-se.

Continua

 

 

 

 

 

26
Set24

O Império

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O Império – As teias que o Império teceu

 

80

A chegada do Afonso veio mostrar aos jovens pais, que criar uma criança exige muito de quem a cria, porque tem de estar disponíveis vinte e quatro horas por dia, durante muitos anos, até que aquele pequeno ser seja capaz de ser independente

Valeu-lhes terem conhecido a Anastácia, que muito os tem ajudado, permitindo que tenham podido voltar às aulas, deixando o filho em boas mãos que, muito carinho tinham para, a todos, dar

Na Universidade de Coimbra, a mais famosa do país, nunca se tinha visto nada parecido:  um casal, com um filho, a estudar. Exemplar, tanto nos estudos,

 como pais, vindo de África, da colónia de Angola

Angariou a amizade de uma residente, na cidade dos estudantes, que muito o ajudava, beneficiava, também, da ajuda de um professor, da jovem mãe, que se apaixonou pela senhora, que o levou para a sua casa e o mimava, como se fossem seus filhos      

Na academia e na cidade não se falava de outra coisa, todos queriam conhecer o casal, que tinha vindo de tão longe

Com o começo das aulas, a Anastácia ficou muito sobrecarregada de trabalho: fazer o comer, tomar conta do Afonso e tratar da casa, faziam-na passar o dia em grandes correrias

Tanto o jovem casal, como o marido da Anastácia estavam preocupados com o esforço dela que, por vezes, ia além do que era razoável, porque queria mostrar que era muito forte e que conseguia fazer tudo

Por isso, pediram-lhe para que descansasse quando eles estivessem em casa, que era muito pouco tempo, tirando o que estavam a dormir, para poder tomar conta do Afonso, durante o muito tempo, que eles passavam na Universidade

Mesmo custando-lhe, compreendeu que era melhor para todos, por que se ficasse doente, alguém teria de ficar em casa, para tomar conta do Afonso e dela

 

Um dez anos depois de mudar a capital para Lourenço Marques, o governo colonial viu-se obrigado a transformar Moçambique de uma colónia para extração de recursos naturais, num território que devia produzir bens para o seu consumo e para exportação para a “metrópole”

Essa foi a motivação principal para o estabelecimento de uma administração efetiva, embora também pesassem as pressões internacionais decorrentes da Conferência de Berlim e das pretensões territoriais dos britânicos e holandeses.  (Wikipédia)

 

Quando o Governador regressou ao palácio e disse às filhas que a Marina tinha tido um menino, estas ficaram, também, muito felizes e queriam saber mais pormenores

O pai disse-lhes que se chamava Afonso, que tinha corrido tudo bem, o Roberto é que tinha dado a notícia, numa carta, que enviara para a mãe

Confessou às filhas que estava alegre e triste: muito alegre por ter um neto, mas triste por ele estar muito longe e temer que morresse antes de ele ir para Luanda

As filhas tentaram animá-lo, dizendo que os anos passam depressa e que em breve todos estariam juntos

A filha mais velha: a Mité,  aproveitou para informá-lo que namorava com o Leopoldo, que Leopoldo? Perguntou o pai, o que trabalha aqui no palácio, respondeu a filha, o pai não se mostrou muito entusiasmado com a notícia, mas acabou por lhe dizer que desejava que fossem muito felizes.

 

Continua

 

 

 

 

 

29
Ago24

O Império

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O Império  -  As teias que o Império teceu

 

76

A Anastácia estava felicíssima por voltar a ter um companheiro, mesmo que a sociedade a censurasse por a sua decisão ir contra os bons costumes de viúvas e viúvos não voltarem a casar

Como era uma mulher muito à frente do seu tempo, não se preocupava com o que dissessem da sua decisão

Mesmo assim, quis saber a opinião da Marina e do Roberto, que lhe disseram que era uma ótima notícia, que aceitasse, porque o Elisiário parecia ser uma pessoa boa, capaz de a fazer muito feliz, e que eles também ficariam muito contentes, não só pela possibilidade de voltar a ser muito feliz, mas por a deixarem acompanhada, quando tivesse de voltar para Lunda, facto que os atormentava há muito tempo

Até já tinham pensado em convidá-la, para os acompanhar no regresso a África, para que não voltasse a ficar sozinha, depois dos felizes anos, que tinham passado juntos

Ficou muito comovida por terem tão grande coração, agradeceu-lhes muito a boa intenção, mas nunca aceitaria deixar a sua cidade, com aquela idade

Mas não deixou de lhes lembrar o quanto a sua companhia tinha contribuído para a sua felicidade, e que graças a eles, conheceu o Elisiário, com quem espera passar o resto da vida, num apaixonado e romântico namoro

Estavam todos tão eufóricos e felizes, que os jovens pais pediram-lhe, para fazer feliz, quanto antes, o Elisiário, perguntando-lhe se não o tinha já feito sofrer o suficiente

Respondeu-lhes que não, porque assim, ficaria muito mais contente do que teria ficado, se ela, imediatamente, tivesse aceitado, o pedido dele em casamento, acrescentando que assim que o voltasse a ver, dar-lhe-ia a notícia, que ele tanto queria, para o, também, fazer muito feliz

Finalmente, a Luanda, chegara a carta do Roberto, com a notícia do nascimento do Afonso. O Governador deu uma vista de olhos pelo correio, que tinha acabado de chegar, não viu nenhuma carta da filha, facto que o deixou muito triste, por não saber a razão, por que se soubesse que tinha sido por lhe ter acabado de dar um neto, teria ficado muito contente

Agarrou na carta do Roberto para a Rosinha, e dirigiu-se, a correr, para a casa dela. Esta, ao vê-lo chegar esbaforido, temeu que lhe trouxesse más notícias. Mas, ele sossegou-a

 de imediato, dizendo que não tinha recebido nenhumas notícias. No entanto trazia-lhe uma carta, que tinha acabado de chegar, do Roberto, para ela

A Rosinha abriu-a e pediu-lhe que lha lesse. Começava por dizer que estava tudo bem e que o Afonso tinha acabado de nascer

Afonso! Exclamou ela. “Sim, Afonso o nome do primeiro Rei de Portugal,” respondeu o Governador

Ambos ficaram muito felizes por terem um neto com um bonito nome, abraçaram-se e beijaram-se, estavam floridos de felicidade, mas passado algum tempo veio o vazio de o não terem visto, nem saberem se algum dia o viriam

Tudo por causa da triste sina da emigração, de não vivermos onde nascemos, por termos de procurar melhores condições de vida, para fugirmos à fome, às guerras, ao ódio, à intolerância, às eternas divisões entre as muitas religiões, neste caso, os jovens angolanos tiveream de imigrar, para puderem estudar.

Agradeceu muito ao compadre, as maravilhosas notícias, que lhe trouxera, mas tinha de ir dar a notícia à restante família, passar, também, pela cooperativa, para que todos soubessem que a Marina e o Roberto tinham um filho, chamado Afonso.

Continua

 

 

 

22
Fev24

O Império

cheia

O Império – As teias que o Império teceu

49

Depois, foi a vez de pedirem à Rosinha e ao Januário, que contassem a história do seu encontro

O Januário não queria revelar as circunstâncias em que tinha conhecido a Rosinha, mas esta disse que não havia mal nenhum em revelarem o abrupto encontro deles

 A Rosinha começou por dizer que o mais difícil foi a comunicação, não conseguiam dizer um ao outro o que queriam, mas os gestos e o tato foram muito importantes, o insuportável foi viver, todos os dias, a pensar no sofrimento dos familiares, sem saberem o que lhe tinha acontecido

Mas não tinha maneira de lho dizer, só quando começaram a entender o que cada um queria, é que ela lhe fez sentir quão a sua família deveria estar a sofrer

Não foi fácil convencê-lo, porque ele estava com receio da reação da família dela, e não era caso para menos: tinha raptado a sua familiar, e isso era imperdoável, a não ser que a Rosinha o defendesse

Foi isso que o Januário tentou durante o tempo em que ela esteve afastada da família, só quando teve a certeza de que ela não deixaria que lhe fizessem mal, é que anuiu irem contatar aos familiares dela, o que tinha acontecido

A Rosinha não deixou de elogiar o marido, dizendo que desde a primeira hora do encontro, que ele a tratou com muito carinho, sempre preocupado com o bem-estar dela, agasalhando-a, dando-lhe as melhores e mais maduras frutas, tudo o que era melhor era para ela, e essa foi sempre a atitude dele durante todos os anos que levavam juntos

Na sua opinião, o Januário era uma pessoa exemplar, amigo de todos, fossem pobres ou ricos, pretos ou brancos, procurava que todos fossem respeitados, mulheres ou homens, crianças ou velhos

Nunca antes tinha conhecido ninguém que tanto se preocupasse com os outros, para ele, mulheres e homens deviam ter os mesmos direitos e as mesmas obrigações, o que ia contra os hábitos da sociedade dela, fazendo com que fosse olhado com desconfiança, por todos

 Os Sobas receavam que as ideias dele levassem as populações a revoltarem-se contra  as regras ancestrais, que tinham herdado dos seus antepassados, para regerem os seus povoados

Os filhos e a restante família ficaram muito orgulhosos da Rosinha e do Januário, muito contentes com tudo o que a Rosinha tinha dito sobre o relacionamento entre eles, e das ideias revolucionárias e humanitárias do Januário.

No fim, todos concordaram que um encontro, inesperado, entre uma africana e um europeu, dificilmente poderia ter ocorrido melhor

Os europeus invadiram a África, uma invasão é uma agressão.

Continua      

      

 

 

05
Set20

Os meus 75!

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75 anos!

 

Hoje completo a bonita idade de três quartos de século

Mesmo que o Cartão de Cidadão diga que é no dia 15

Os meus pais não tiveram tempo de ir atempo registar-me

A Junta de Freguesia era distante, não havia transportes

Ainda que no Alentejo, cem quilómetros, seja já ali

Eram precisas duas testemunhas e palmilhar alguns quilómetros, a pé

As consequências da guerra continuavam a fazer-se sentir

Fome, miséria, tudo racionado, só com senhas, o pouco, era comprado

Estou muito grato por aqui ter chegado

Felizmente, sem a ajuda de medicamento, nos últimos 20 anos, tomado

Muitas coias, algumas, muito boas ter presenciado

A começar por estas palavras, que podem chegar a todo o lado

Outras muito dolorosas como, aos dez anos, do ninho ter sido afastado

Como acontecia, por todo o país, em que muitos, ainda saíram mais cedo

Não tendo tido direito a irem à Escola, em relação a eles, sou um privilegiado

Porque o meu pai, sempre, disse que entre abandonar a escola, para não passar fome, ou continuar na escola, para os seus filhos, ela era o mais importante

Despois de guardar ovelhas, porcos, vacas, e outra vez porcos, fui para Lisboa

O meu irmão, mais novo 4 anos, caiu de cima de uma burra, partiu um braço e teve de ir para o Hospital de São José. O meu pai procurou uma prima da minha mãe, que vivia na Capital, pediu-lhe para me arranjar um emprego

Em maio de 1958, fui para Lisboa, para trabalhar num lugar de frutas e hortaliças, na rua da Imprensa Nacional

Os primeiros meses foram muito dolorosos, porque saltei de um dia para o outro, do campo, para a Capital, sem nunca antes ter visto uma cidade, um comboio, o mar, uma cerejeira

Os meus patrões, um casal do distrito da Guarda, sempre me trataram bem, mas no início não nos entendíamos

As freguesas estavam constantemente o corrigir-me, dizendo-me “que não era lete, que era leite, que não era mantega, que era manteiga”. Quanto lhes estou grato!

Lisboa estava pejada de serviçais: padeiros, leiteiros, carvoeiros, marçanos, ardinas, varinas, criadas de servir, lavadeiras, aguadeiros, compradores de ferro velho, o moço do talho, o moço do lugar de frutas e hortaliças, a mulher da fava-rica, a vendedora de figos…….

 

As donas de casa não precisavam de sair, para as compras diárias, nós levávamos-lhas a casa. Todos os dias ia perguntar-lhes o que queriam e de seguida ia tudo entregar, para chegar a tempo para o almoço

Os prédios antigos tinha escadas em ferro, no exterior, por onde nós podíamos subir e descer, nada de utilizar as escadas interiores, de madeira, muito bem enceradas, onde nos poderíamos ver, como se fossem espelhos

As mulheres da pequena, média e alta burguesia, não trabalhavam, com raras exceções, e, ainda, tinham criadas, viviam nas suas gaiolas douradas

Conforme o rendimento e o número de filhos, tinham ente 1 e 3 criadas, a cozinheira, a dos meninos, e a de fora

Como o trabalho do lar não tem hora para acabar

AS criadas de servir tinham, ao domingo, de 15 em 15 dias, 4 horas para namorar, das 15 às 19, se se conseguissem despachar

Eu, nem isso, também ainda não namorava!

Tinha era um bom horário, na parede, afixado: entrava às 9, saía às 13, entrava às 15 e saía às 19, só para inglês ver, na realidade entrava às 5 ou 6, conforme o que o patrão tinha para comprar, no Mercado da Ribeira e no Mercado da fruta.

Pelas sete e meia, o meu patrão continuava a fazer as compras, eu apanhava o elétrico, para ir abrir o estabelecimento, às oito horas

O mais difícil era abrir a porta, por ser em ferro, a toda a largura do estabelecimento, muito pesada, que, à força de braços, ia enrolando

Primeiro que a conseguisse descolar do chão, a minha coluna até gemia

O meu patrão dizia-me para pedir, a quem passa-se, ajuda

Mas eu tinha vergonha de incomodar as pessoas, pedindo-lhes que começassem o dia fazer a força, só uma vez pedi ajuda, a um rapaz, que a aparentava ter a minha idade

Tomava o pequeno-almoço e almoço atrás do balcão, fechava o estabelecimento às 21, arrumava-o e lava o chão

Depois jantávamos, a patroa lavava a loiça, e só depois de irem para a casa onde, praticamente, só dormiam, é que me podia deitar, porque o meu divã estava em frente ao lava loiça

A primeira senhora, que vi conduzir um carro, deu-me boleia, foi a esposa do destinto cirurgião, Dr. Jaime Celestino da Costa, que nasceu e morreu nos mesmos anos em que nasceu e morreu o meu pai

Uma Senhora muito humana que, sensibilizada com o peso que teria de carregar, estacionou o carro em frente ao estabelecimento, para carregarmos as compras, tendo ido com ela, para a ajudar a descarregá-las  

A televisão tinha começado as emissões no ano anterior, mas poucos tinham televisão

 De vez em quando, depois do jantar, ia com o meu patrão, enquanto a patroa ia deitar os miúdos, tinham um casal, um rapaz da minha idade e uma menina de poucos meses, a um café, na Rua de São Marçal, ver a televisão

A única coisa de que me lembro, desses tempos, foi a apresentação das Apostas Mutuas Desportivas, Totobola, tudo muito bem explicado pelo inesquecível Artur Agostinho

Foram tantas as novidades: a esferográfica, o plástico, o self-service, os eletrodomésticos, a pilula, a inauguração do Metropolitano, na qual, alguns passageiros saíram lá debaixo, dizendo que não conseguiam respirar, a inauguração do Cristo Rei, da Ponte sobre o Tejo…...

Ainda se viam algumas carroças pelas ruas, quanto aos automóveis dizíamos, lá vem um!

Ao cimo da Rua da Imprensa Nacional, do lado direito de quem sobe, havia, ainda, uma olaria, pouco tempo depois deu lugar a uma loja de plásticos

Lisboa era uma cidade fechada, triste e infeliz, amordaçada pela censura e pela Polícia Internacional de Defesa do Estado, onde não se viam turistas nem habitantes de outros Continentes, nem sequer de África, onde tínhamos colónias. Pretos, só o da Casa Africana!

A todos os que me ajudaram a chegar até aqui, muito obrigado!

A melhor prenda, que me podem dar, é tratarem-me por tu, para continuar na ilusão de que sou jovem.

José Silva Costa

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

14
Abr19

Mulheres!

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Mulheres!

 

Pode não ser uma nova primavera árabe

Mas, em poucos dias, dois ditadores foram ao ar

Não resistiram à pressão das manifestações

Quando as populações se unem, nem as armas as calam

Na Argélia e no Sudão nasceram ventos de esperança

No Sudão, foi das mulheres, o papel principal

São elas e os filhos quem mais sofre, com as guerras

No fogo cruzado, são abusadas, escravizadas, mal tratadas

São elas quem mais trabalha nos campos, nas lavras

Tentando assegurar, às famílias, o sustento

Num Continente a precisar de melhor vento

Quando cai um ditador, seja onde for, é sempre um bom momento

Mas em África, de onde tanta gente foge por causa das guerras, da fome, do horror

Cada dia de esperança tem muito mais valor!

 

José Silva Costa

22
Nov17

Poder falar!

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Ditaduras

Boas notícias de África!

O novo Presidente de Angola está a dar bons sinais

Afastando dirigentes que tinham cristalizado

Num país, há muito cansado de ser explorado

Com tantos recursos naturais!

Revolta ver, tanta gente a viver na miséria

Oxalá, Angola consiga vencer!

Dando ao seu povo um tempo melhor.

Está a nascer uma nova esperança, no Continente

E, isso deve deixar muita gente contente

Mais um ditador caiu

Por cada ditador que caí

Um país renasce!

Tantos séculos de colonialismo!

Levaram o Continente ao abismo

Tantas barbaridades sem castigo!

O mal é bem antigo

Os ditadores não permitem um sorriso

Quando os conseguem afastar!

Os povos dão um grito de alívio.

 

 

José Silva Costa

 

 

 

 

 

 

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