O Império
O Império – As teias que o Império teceu
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O Januário fazia tudo para merecer a admiração daquela família, que em breve, esperava fosse também a sua
Sempre agarrado à sua Rosinha, procurava ajudá-la em tudo o que podia, até nos trabalhos do campo, onde só se viam mulheres a trabalhar
Mulheres e homens estavam todos muito admirados com aquele banco, nunca tinham visto nenhum branco a viver com uma preta, no quimbo, e a fazer trabalhos que eles nunca faziam, uma vez que só se dedicavam à caça e à pesca. Os outros trabalhos eram para as mulheres
O Soba, que tinha mais de uma dúzia de mulheres, quanto mais mulheres um homem tivesse, mais rico era, porque elas é que trabalhavam, uma delas, irmã da Rosinha, achou aquela ligação e procedimentos muito estranhos, e receava que aquele casal viesse destabilizar a sua comunidade
Os Sobas eram, não sei se continuarão a ser, as pessoas a que toda a sua comunidade obedecia, sem contestação
Assisti, em 1970, perto de Nova Lisboa, à escolha de homens para irem trabalhar numa fazenda de café, no norte de Angola, os chamados contratados, que deram origem a uma canção de protesto
A população estava toda reunida: homens, mulheres e crianças, por perto estava um autocarro vazio, para encher, era quase pôr-do-sol, o Soba ia correndo o olhar, e de repente apontava para um homem, que sem qualquer resistência ia para o autocarro, mesmo que a mulher gritasse, chorasse e o quisesse segurar, e foi assim até o autocarro ficar cheio e ter sido fechado
Só no dia seguinte é que seguiriam para o seu triste destino de onde muitos não voltariam
"Eu queria escrever-te uma carta, amor
Uma carta que dissesse deste anseio
Deste anseio e te ver
Deste receio de te perder
Deste mais que bem querer que sinto
Deste mais que bem querer que sinto
Deste mal indefinido que me persegue
Desta saudade a que vivo todo entregue
Eu queria escrever-te uma carta, amor
Eu queria escrever-te uma carta, amor
Uma carta de confidências íntimas
Uma carta de lembranças de ti
De ti
Dos teus lábios vermelhos como tacula
Dos teus cabelos negros como diloa
Dos teus olhos doces como macongue
Dos teus seios duros como maboque
Do teu andar de onça
E dos teus carinhos
Que maiores não encontrei por aí
Eu queria escrever-te uma carta, amor
Que recordasse nossos dias
Nossos dias na capopa
Nossas noites perdidas no capim
Que recordasse a sombra
Que recordasse a sombra que nos caia dos jambos
O luar que se coava das palmeiras sem fim
Que recordasse a loucura
Da nossa paixão
E a amargura da nossa separação
Eu queria escrever-te uma carta, amor
Que a não lesses sem suspirar
Que a escondesses de papai Bombo
Que a sonegasses a mamãe Kiesa
Que a relesses sem a frieza
Sem a frieza do esquecimento
Uma carta que em todo o Kilombo
Outra a ela não tivesse merecimento
Eu queria escrever-te uma carta, amor
Eu queria escrever-te uma carta, amor
Uma carta que ta levasse o vento que passa
Uma carta que os cajus e cafeeiros
Que as hienas e palancas, que os jacarés e bagres
Pudessem entender
Para que se o vento a perdesse no caminho
Os bichos e plantas
Compadecidos de nosso pungente sofrer
De canto em canto
De lamento em lamento
De farfalhar em farfalhar
Te levassem puras e quentes
As palavras ardentes
As palavras magoadas da minha carta
Que eu queria escrever-te amor
Eu queria escrever-te uma carta
Mas, ah, meu amor, eu não sei compreender
Por que é, por que é, por que é, meu bem
Que tu não sabes ler
E eu - Ó! Desespero! - não sei escrever também
Não sei escrever também "
(Carta de António Jacinto do AmaralMartins, Luanda 28 de setembro de 1924 - Lisboa 23 de Junho de 1991)
Continua