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27
Fev25

O Império

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O Império  -   As teias que o Império teceu

102

A Marina começou a trabalhar no seu tão desejado posto médico, todos os dias apareciam pessoas a pedir ajuda, ela tentava ajudá-las com os poucos recursos que tinha

Certos tratamento exigiam uma equipa, só uma pessoa dificilmente os faria nas melhores condições, perguntou, na cooperativa, se havia alguém que a quisesse ajudar, uma jovem, que trabalhava numa das secções da cooperativa, disse que a ajudaria sempre que fosse preciso, era só chamá-la, uma vez que estavam muito pertinho uma da outra

Sempre que aparecia alguém com um braço, uma perna, um pé partido, chamava a Alicia, que parecia ter muito jeito para enfermeira, faziam uma grande equipa, quando era necessário colocar os ossos no devido lugar e ligá-los, colocava talas, se necessário. As ligaduras eram feitas de trapos velhos

Cada doente, que lhes agradecia, pela ajuda, fazia com que ficassem orgulhosas do seu trabalho, felizes com os sorrisos daqueles a quem conseguiam aliviar as dores. Mas, como não há rosas sem espinhos, quando alguém lhes morria nas mãos, toda essa felicidade e sorrisos não chegavam, para suportar a tristeza de uma morte

Sempre que tinha um pouco de tempo livre, espreitava as aulas do Roberto

Sabia como ele e o filho chegavam, todos os dias, a casa: derreados, mas muito felizes

Ficava encantada com a alegria, que todos estampavam nos rostos, quando participavam nos jogos, nas acrobacias, nas danças, levantavam uma nuvem de pó que mal se viam

Outras vezes era um silêncio ensurdecedor, com toda a atenção a ouvirem o que o Roberto lhes dizia, ou ajoelhados no terreiro a fazerem as letras, a construírem as palavras, a aprenderem as contas, a decorarem a tabuada

Notava-se, que todos os dias iam para a sua adorada escola, descontraídos, alegres, felizes, como se fossem para a brincadeira. Na verdade, mais de metade do tempo passavam-no a brincar, o que fazia com que depois estivessem muito atentos e interessados em aprender

Ficava embebecida ao ver aquele espetáculo, sem dar pelo tempo passar, como se também estivesse a participar, muitas vezes, recordando trinta por uma linha, que fazia com as suas irmãs

À tarde, uma hora ou duas antes de escurecer, iam à baía, de Luanda, tomar um banho, como estava calor, fazia com que chegassem a casa, secos, prontos para uma merecida noite de descanso.

Continua

 

20
Fev25

O Império

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O Império  -  As teias que o Império teceu

101

O Roberto, que já tinha um ótimo sítio para instalar a sua escola: o terreiro à volta da frondosa árvore

Tinha espaço para todos, onde podiam desenhar as letras, as frases, os algarismos, fazer as contas, pronto a apagar e voltar a usar

Queria cativar todos os miúdos, para aprenderem a ler, escrever e contar, nem que tivesse de inventar jogos, dar-lhes liberdade para utilizarem o terreiro, para as suas brincadeiras, em troca de umas horas, para o estudo

Encarregou o filho de angariar miúdos e miúdas, todos podiam brincar, para comparecerem e mostrarem as suas habilidades

Todos os dias apareciam mais e mais crianças, no terreiro, para brincarem

 Mas o Roberto foi-lhes dizendo que assim que estivessem todos, para além das brincadeiras, teriam, também, de começara a aprender a ler, escrever e contar

Passada uma semana, começou a ensinar-lhes as vogais e os algarismos, dizendo-lhes que em breve saberiam escrever os seus nomes, o nome do pai e da mãe, por aí adiante, até saberem escrever os nomes de todas as coisas, bem como fazer contas

Todos estavam tão entusiasmados que se esqueceram das brincadeiras, queriam era aprender, ficavam muito contes, quando conseguiam fazer as letras iguais às do Roberto

Aproveitou o interesse deles, em mostrarem que já sabiam escrever os seus nomes, para lhes dizer que dali em diante, a quem não comparecesse às aulas, seria marcada falta, o que originava a perda de algumas regalias, entre outras, poderiam não ser autorizados a participar nos jogos

Queria incutir-lhes regras, disciplina, valores, para que crescessem, sabendo que nem tudo é permitido, que para viverem em harmonia, uns com os outros é preciso que se respeitem, que pratiquem normas de boa convivência, de amizade e boa vizinhança

Continuaram com a mesma assiduidade, principalmente os rapazes, já as raparigas, por vezes, eram mobilizadas, pelas mães, para ajudarem nas lavras, em casa, tomar conta dos irmãos

Eram elas, no futuro, que iriam ter filhos, que seriam responsáveis pela sua criação, alimentação, fazendo que tivessem de tirar da terra o seu sustento, semeando, plantando, guardando as sementeiras de amendoim, para que os macacos não lhos roubassem

Uma vida muito dura, para todos, mas muito mais, para as mulheres, porque são elas as mais preocupadas com os filhos.

Continua.

 

13
Fev25

O Império

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O Império  -  As teias que o Império teceu

100

A Marina e o Roberto estavam muito contentes pelo carinho com que tinham sido recebidos por todos, e que continuavam a receber todos os dias

Ela falou ao pai, no espaço, para o posto médico, estava ansiosa, queria começar a trabalhar, mas ele não se mostrou recetivo à sua proposta, disse-lhe que era melhor falar com a cunhada, para que o posto médico ficasse, também, junto da cooperativa, perto da escola

Acrescentou que o Palácio do Governo, de um dia para o outro, poderia ter um novo inquilino, porque havia muitos fidalgos, que cobiçavam o cargo de Governador de Angola,  o Rei precisava do apoio deles, por isso tinha de os compensar com cargos, que gostassem de exercer

A Marina, que não contava com o não do pai, depois da explicação, achou que ele tinha razão. Mas, quando regressou a casa, o Roberto notou que ela estava muito triste, tentou saber a razão, ao que ela respondeu que tinha criado expetativas muito altas, em relação ao exercício da medicina, numa cidade onde ela não existia, o que fazia crer que não era necessária

O marido tentou animá-la, dizendo-lhe que em breve se sentiria muito útil, muito gratificada por ajudar a salvar vidas, evitar sofrimentos, ajudar nos nascimentos, que tantas mulheres matavam

Quanto ao espaço para abrir o posto médico, poderia ficar com espaço cedido para a escola, caso os cooperantes estivessem de acordo, por ser pequeno para tantos alunos, sem condições, sendo preferível dar as aulas ao ar livre, debaixo de uma frondosa árvore, localizada muito perto da cooperativa

Ficou mais animada, sabia que tinha um marido muito amigo, que a adorava, que gostava que ficasse a trabalhar perto dele, que não se importava de lhe ceder o espaço que tinham destinado para ele

Foi falar com a Leopoldina, que se mostrou radiante, confidenciou-lhe que já tinham abordado o assunto, na assembleia geral, tendo todos dito que o posto médico deveria ficar na cooperativa, era uma mais-valia para os cooperantes e para toda a cidade, desde que fosse de acesso livre

A Marina agradeceu-lhe, dizendo que estava totalmente de acordo, o que mais queria era ajudar as pessoas, evitar-lhes todos os sofrimentos, que fossem evitáveis, livrá-las das dores, contribuir para a redução da mortalidade das mulheres, no parto

Ambas ficaram muito felizes, a Marina disse que iria começar a trabalhar imediatamente, estava ansiosa por pôr em prática o que tinha aprendido, iria fazer o que soubesse com o que houvesse, como se o seu posto médico fosse um bebé, cresceria com o tempo, com a continuação da sua aprendizagem, como acontece com todas as profissões, só que a dela lidava com a vida, o que lhe exigia muita atenção e responsabilidade.  

  Continua

 

06
Fev25

O Império

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O Império  -  As teias que o Império teceu

 

99

A Marina e o marido não perderam tempo, no dia seguinte foram visitar a cooperativa, acompanhados do Afonso, tiveram uma receção muito calorosa, foram cumprimentados por todos, que lhes desejara muitas felicidades e saúde

A Marina e o Roberto aproveitaram o momento para perguntarem o que é que eles mais precisavam, para que a cooperativa continuasse a progredir

Todos disseram que precisavam de uma escola, era bom que houvesse alguém que soubesse ler e escrever, para ajudar a gerir a cooperativa

O Roberto mostrou disponibilidade para fundar uma escola e ensinar a ler, escrever e fazer contas, tudo o que quisessem aprender e ele soubesse, desde que tivesse um local e quem quisesse aprender, poderiam ser crianças, jovens e adultos

A irmã, a Leopoldina, que era a dirigente da cooperativa, disse-lhe que iam marcar uma assembleia geral, para saber se os cooperantes aprovavam a proposta dele

A Marina também queria um espaço, para começar a trabalhar, mas não quis pedi-lo à cunhada, teve receio de que os cooperantes sentissem que eles estavam a pedir de mais à cooperativa

Assim, iria falar com o pai, talvez ele lhe conseguisse arranjar um espaço, para consultar os pacientes. Estava muito apreensiva, porque já sabia que a população acreditava mais nos curandeiros do que nela

Os curandeiros eram uma espécie de pessoas sagradas, muito conceituadas, a quem todos recorriam, não só por motivos de saúde, mas para tudo o que os atormentava

É difícil suportar a dureza dos dias, sem que tenhamos a quem recorrer, em quem acreditar, para nos ouvir, para nos ajudar a refletir, e até partilhar

O Roberto ficou tão empolgado com a receção ao seu plano, à criação de uma escola, que daí em diante o seu cérebro estava, sempre, ocupado, tentando encontrar métodos e meios, para cumprir o sonho de todos: saber ler, escrever, contar.

Continua

 

     

 

 

 

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