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29
Jun23

O Império

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   O Império - As teias que o Império teceu

15

Em Lisboa, já se preparava mais uma viagem da carreira da Índia, assim se chamava, mas o destino não era Índia. Como a anterior o destino era Nagasaki, uma viagem muito longa e dura, que obrigava a uma boa preparação

As naus já estavam atracadas ao cais de Belém, todos os dias chegavam homens a oferecerem-se para fazerem parte da tripulação, aventureiros nunca faltaram, o sonho de conhecerem novos mundos, já vinha de longe

O Ezequiel, o irmão do Januário, mal soube que estavam a preparar a viagem, apresentou-se, estava ansioso para saber que missão lhe seria atribuída

O Capitão, depois de uma longa entrevista, decidiu incumbi-lo de uma missão muito importante: a estiva

O Ezequiel era um alfacinha, habituado a viver de esquemas, ficou um pouco preocupada com a dificuldade do trabalho. Mas, o Comandante tranquilizou-o, dizendo-lhe que faria equipa com uma rapariga muito competente e experimentada, que já tinha feito a viagem anterior, a Miquelina

Ficou mais tranquilo e cheio de curiosidade, por ser apoiado por uma rapariga, que tinha feito a viagem disfarçada de homem, sem que ninguém tivesse desconfiado

Tinha de ser uma rapariga muito inteligente, para conseguir tamanha proeza

Como teria conseguido esconder a beleza feminina?

Não faltariam oportunidades para lhe fazer a pergunta e tentar aprender com essa moça a técnica do disfarce

Difícil era saber como arrumar, num espaço pequeno, água, produtos para preparar as refeições e alimentos prontos a comer, como são as conservas

No fundo a água, em cântaros de barro, tapados com rodelas de cortiça, ao lado o carvão, por cima as batatas, as cebolas e o feijão, a salgadeira também tinha de ir no porão, conservas, bolachas e outros alimentos, noutros compartimentos

A Miquelina, quando se apresentou para a sua segunda viagem, estava muito triste, apesar dos esforços de um ano, a contatar, bruxos, boticários, barbeiros, não conseguiu nenhuma informação como curar ou evitar o escorbuto

Como não sabia ler, não teve acesso a livros ou tratados sobre o assunto

O Comandante disse-lhe para não se culpabilizar por não ter encontrado ninguém que a ajudasse a resolver um problema que, segundo ele, ainda não tinha solução.

 

Continua

 

22
Jun23

O Império

cheia

O Império – As teias que o Império teceu

14  

O negócio do Soba, com a ajuda do Januário, estava em grande progresso, o que fazia com que  as suas famílias tivessem, cada vez, melhores condições de vida

Havia uma grande necessidade de escravos para o Brasil, que já não conseguia dispensar os escravos, para assegurarem a laboração dos engenhos de açúcar

A Rosinha não gostou nada que ele se tivesse associado ao Soba, no negócio dos escravos. Mas  o Januário disse-lhe que só o tinha feito para tentar ir ao Brasil resgatar o pai dela e os irmãos

Para isso precisava de incrementar o negócio, de modo a ir ao Brasil, nem que fosse para levar uma carrada de escravos, e tentar encontrar o sogro e os cunhados

Essa promessa fez com que ela alimentasse a esperança de voltar a ver o pai e os irmãos

Mesmo que não acreditasse que isso fosse possível, porque não sabia de nenhum escravo, que tivesse conseguido libertar-se do cativeiro e tivesse voltado ao seu país

Entretanto, a Rosinha tinha ficado novamente grávida, e o Januário tinha esperança de que fosse um menino

Cada vez empenhava-se mais no negócio dos escravos, queria acumular riqueza, para tentar ir viver, com a família, para a cidade de Luanda

A Rosinha é que não estava nada entusiasmada com a ideia de ir viver para a cidade, preferia continuar a viver, onde sempre vivera e nascera, tratando das suas terras

Mas, também, concordava com o Januário, quando dizia que se vivessem na cidade, os seus filhos teriam oportunidade de ter uma vida melhor, diferente

Dizia que não valia a pena fazerem grandes planos, para o futuro, porque de um momento para o outro, tudo muda, como aconteceu com ela, cuja vida deu uma volta de trezentos e sessenta graus

Tinha passado de uma rapariga simples, que passava os dias a apanhar búzios, para se tornar na mulher do Senhor Januário: um branco que queria provar ser possível uma convivência, diferente, entre brancos e pretos 

Sem a arrogância de outros, com simplicidade e humildade, queria criar amizade com todos

Mas nem todos o viam como sendo assim tão exemplar, uma vez que se tinha associado ao Soba, para comprar e vender escravos, uma coisa que os outros não conseguiam entender

Bem tentava, o negócio justificar, dizendo que queria resgatar os familiares, mas ninguém, mesmo com esse objetivo  se ia calar, porque uma pessoa boa, nunca venderia um seu semelhante, o seu dever era protege-lo de tão grande barbaridade.

 

Continua

 

   

15
Jun23

O Império

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O Império – As teias que o Império teceu

13

Quando soubesse da próxima viagem da carreira das Índias, tinha de tentar que fosse escolhido para fazer parte da tripulação

Ficou por ali, a tentar falar com os que tinham desembarcado, não só para saber se conheciam o irmão, mas também para saber das dificuldades da viagem, se pensavam voltar a fazê-la

Alguns tinham ouvido falar do Januário, mas nenhum tinha tido convivência com ele, quanto voltar a fazer a viagem, todos foram unanimes, não queriam voltar a fazê-la, estavam muito felizes por terem conseguido voltar, tinha sido uma viagem muito difícil, na qual, alguns,   tinham perdido a vida

Ficou um pouco triste, mas imediatamente afastou a tristeza, pensando que só queria ir até Luanda

A bordo continuavam o comandante e a Miquelina, que quando se foi despedir, revelou que tinha feito toda a viagem, sem que ninguém desconfiasse que era mulher

O comandante deu-lhe os parabéns, pediu-lhe que voltasse para a próxima viagem, porque tinha uma missão muito importante para ela

Demoram-se, ainda, muito tempo a falar do papel das mulheres, nas viagens à Índia, dizendo-lhe que não tinha sido a primeira, e que os comandantes tinham mudado de opinião, considerando que o seu trabalho era muito importante, como reconheceu Vasco da Gama, que depois de ter humilhado as mulheres que tinham embarcado disfarçadas de homens, deixou-lhes, em testamento, uma boa pensão, para poderem viver e casar, ficaram as três a viver, na Índia

Aproveitou para lhe falar da Antónia Rodrigues, disfarçada de António Rodrigues, que devido à sua bravura, em Mazagão, apenas com 13 ou 14 anos, passou da infantaria para a cavalaria

Ninguém desconfiava do seu género. Nunca se deitava sem o gabão e as ceroulas a disfarçarem-lhe o corpo

Por volta dos 18 anos, a filha de um alto dignatário, de Mazagão, apaixonou-se pelo valente cavaleiro, tendo sido pressionada para que se casasse, achou por bem assumir o seu género

Continuou a ser muito admirada e chegou a viver na corte de Filipe II de Portugal, em Madrid

Depois da morte do rei, voltou para Portugal, onde morreu em 1641

A Miquelina estava radiante com o que o comandante lhe acabava de revelar, também ela faria parte do grupo de mulheres que, disfarçadas de homens, tinham conseguido prestar grandes serviços ao país

Por fim, o comandante revelou-lhe qual seria a sua missão na próxima carreira regular da Índia. Mostrando-se muito preocupado com a quantidade de homens que morriam, devido ao escorbuto

Queria que ela aproveitasse o tempo, que falta para a próxima viagem, cerca de um ano, para tentar saber o que se poderia fazer, para reduzir a grande mortandade causada pelo escorbuto, também designado como mal de Luanda

Miquelina assegurou-lhe que tudo faria para tentar saber o que se poderia fazer, para reduzir o medo, que todos tinham da terrível doença.  

Continua

 

08
Jun23

O Império

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O Império – As teias que o Império teceu

12

O Januário e a sua Rosinha continuavam muito felizes, por em breve terem nos seus braços o seu primeiro rebento, toda família partilhava dessa imensa felicidade

O Soba, depois de o conhecer melhor o Januário, pediu-lhe para o ajudar nas contas com o negócio dos escravos, nos quais também estava envolvido

Luanda teve um papel importante nos negócios da escravatura, por ser uma das mais importantes feitorias portuguesas na costa africana, fazendo com que fosse um centro de formulação e execução de operações militares contra reinos africanos

Foi, também, uma base de intensa diplomacia entre africanos e europeus

Os escravos podiam vir de prisioneiros de guerra, comprados por traficantes, ou por meio de emboscadas

Os escravos eram levados a pé até aos portos, onde eram revendidos aos europeus, a troco de mercadorias importantes como: tabaco, cachaça, pólvora

 Eram marcados a ferro quente para se saber a que comerciante pertenciam

Os barcos que os transportavam eram conhecidos por tumbeiros, por muitos morrerem na viagem

Três anos depois de o Januário ter deixado Lisboa, nasceu a primeira filha da Rosinha e do Januário, chamaram-lhe Leopoldina, toda a família ficou muito feliz com a chegada de mais um membro para a família, que vinha ganhando notoriedade desde que o Januário se tinha associado ao Soba, no negócio da escravatura

A armada, que tinha permitido ao Januário a grande aventura de ter ido ao Oriente, já tinha atracado em Lisboa, depois de terem descansado três meses em Angra do Heroísmo, Nos Açores

Foram recebidos em festa, toda a cidade acorreu ao cais, para aplaudirem os valentes homens, que tinham ido tão longe e passado tanto tempo no mar

Mal sabia a multidão que uma mulher, também tinha participado, sem que ninguém tivesse descoberto que era mulher

O irmão do Januário, o Ezequiel, mais novo dois anos, que tinha ficado em Lisboa, porque tinha de tomar conta da mãe deles, que entretanto morrera, também estava entre a multidão, junto à saída do barco, onde o irmão tinha embarcado

Já tinham saído quase todos, e o irmão não aparecia, resolveu perguntar, a um grupo que acabara de abandonar o barco, se conheciam o Januário, e se sabiam alguma coisa dele

Disseram-lhe que tinha ficado em Luanda, nada que o irmão não temesse, uma vez que, na despedida, lhe tinha dito que queria tentar a sua sorte numa Colónia

Como não tinha mais nenhum familiar, pensou em ir ter com o irmão, mas para isso tinha de tentar fazer como ele tinha feito.

Continua

 

 

01
Jun23

O Império

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O Império – As teias que o Império teceu

11

O Januário perdera o medo, já se sentia plenamente integrado naquela comunidade, queria aprender a língua, os costumes, para saber como proceder e ser admirado e respeitado, por todos

Em breve a sua Rosinha dar-lhe-ia um filho ou uma filha, queria ser um pai exemplar, tencionava conseguir um trabalho, um negócio, fosse o que fosse, tinha era de dar para terem uma vida digna e na cidade de Luanda

O que não sabia era que tinha infringido uma lei do Reino, que não permitia que brancos tivessem relações sexuais com pretas, nem pretos com brancas, para que não aparecessem mulatos

Uma lei de Filipe II de Portugal, publicada em 1620, por estarem a aparecer muitos mulatos e mulatas nas Ilhas de Cabo Verde

Ilhas que devem o seu nome ao facto dos portugueses terem dado esse nome a um cabo, na costa do Senegal, que servia de referência, quando queriam ir para essas ilhas, sabendo que estavam no mesmo paralelo a 500 km da costa.

Descobertas em 1462, as Ilhas de Cabo Verde tiveram um papel muito importante no desenvolvimento da escravatura, tornando-se numa grande plataforma para o comércio de escravos

Tendo sido o primeiro sítio onde foram utilizados escravos nas plantações de cana-de-açúcar, cultura do algodão e nas quintas de pecuária, chegavam a ter mais de 30 escravos, que asseguravam a ordenha das vacas, fazer os queijos, a manteiga e muitas outras tarefas

As Ilhas, e em primeiro lugar a de Santiago, foram povoadas por algarvios, madeirenses e nortenhos, por parte da Europa e também por escravos por parte de África

Esta mistura provocou o aparecimento de muitos mulatos e mulatas, que Filipe II quis conter com a sua lei de 1620 e, ainda, com o pedido de que enviassem mulheres brancas para Cabo Verde

Mas nem uma nem outra deram resultado, porque não conseguiram que brancos não tivessem relações sexuais com pretas, nem pretos com brancas

Como dizem na minha terra, a estopa ao pé do lume incendeia

Muitos comerciantes estabeleceram-se em Santiago, para se dedicarem ao comércio de escravos, faziam incursões à costa de África, mas precisavam de intérpretes, que tinha de saber mais que a língua, tinham de se saber movimentar nos meandros da escravatura, por isso nasceu a profissão de o língua, que não podia faltar, para ajudar a fazer os negócios

À ilha de Santiago chegavam muitos escravos, vindos do continente africano, para, depois serem enviados para as Antilhas, as Américas e a Europa, o que fazia com que a Ilha tivesse tido um grande desenvolvimento, que se manteve até os portugueses se estabelecerem na Guiné, que fez com que os comerciantes deixassem de utilizar a ilha de Santiago, e enviassem os escravos diretamente da costa Africana, para os destinos finais

 

A cativa de Camões

aquela cativa
que me tem cativo,
porque nela vivo
já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa
em suaves molhos,
que para meus olhos
fosse mais fermosa.

Nem no campo flores,
nem no céu estrelas
me parecem belas
como os meus amores.
Rosto singular,
olhos sossegados,
pretos e cansados,
mas não de matar.

Uma graça viva,
que neles lhe mora,
para ser senhora
de quem é cativa.
Pretos os cabelos,
onde o povo vão
perde opinião
que os louros são belos.

Pretidão de Amor,
tão doce a figura,
que a neve lhe jura
que trocara a cor.
Leda mansidão,
que o siso acompanha;
bem parece estranha,
mas bárbara não.

Presença serena
que a tormenta amansa;
nela, enfim, descansa
toda a minha pena.
Esta é a cativa
que me tem cativo;
e, pois nela vivo

É força que viva.

 

Poema que terá sido inspirado num relacionamento amoroso, que o poeta terá tido com uma escrava, em Cabo Verde. Este poema está traduzido para Crioulo.

 

 

Continua

 

 

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