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25
Fev21

Vidas (16)

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Vidas

Continuação  (16)

AS mulheres, naquele tempo, não tinham muitas hipóteses de emprego. O habitual era ficarem em casa, a tomarem conta do filho, ou na redoma de vidro, à espera do marido, levar os filhos ao colégio, jogar à canasta com as amigas.

 As freguesas diárias a quem, todos os dias, ia perguntar o que necessitavam, porque não havia onde os alimentos conservar, quase todas tinham criadas: uma, duas, três ou mais

Tudo dependia do estatuto social, ou do agregado familiar. Os casais que tinham três, quatro ou mais filhos, e possibilidades, tinham pelo menos três criadas: a cozinheira, a criada de fora e a dos meninos

Como não havia eletrodomésticos, tudo era feito manualmente! A lavagem da roupa ficava a cargo das lavadeiras de Caneças, que semanalmente traziam a trouxa lavada e levavam a suja

As que trabalhavam fora de casa, para além das vendedeiras, porteiras: classe baixa, eram as enfermeiras, as hospedeiras de bordo, as professoras

Os homens tinham de assegurar o rendimento para o lar. Quem não conseguia pagar uma renda de casa, tentava arranjar outro casal para a ajudar a pagar ( parte de casa), e casais havia, que alugavam um quarto, fazendo com que três casais vivessem numa casa: a dona da casa e mais dois casais, com direito a serventia da cozinha e casa de banho (uma) 

Foram estas condições de habitação, que fizeram com que os prédios, que nasceram como cogumelos, à volta da cidade, principalmente ao longo da linha férrea de Sintra, parecessem um paraíso

Ter ou alugar uma casa foi o que fez com que os mais pobres tenham sido empurrados para fora da cidade. Primeiro foi para a Amadora, depois toda a linha de Sintra, e ultimamente, muitos, dos que vivem no litoral Oeste, vão todos os dias trabalhar para Lisboa. Um país amontoado no litoral e deserto no interior

Um conterrâneo, do José, foi, para Lisboa, trabalhar para uma fábrica de tapetes para automóveis. Ao fim de alguns meses decidiu ir trabalhar por conta dele. Alugou umas águas furtadas, comprou dois rolos de tecido em cairo, para tapetes, um para fazer o tapete da frente e outro o de trás. Durante o dia visitava os standes, para angaria encomendas, de noite fazias, e no dia seguinte ia entrega-las. Naquele tempo, o automóvel era uma preciosidade, por isso era preciso estimá-lo. Assim, vendiam-se muitos tapetes, em cairo, para protege-los.

Devido ao crescimento do negócio, alugou um primeiro andar na rua da paz. Convidou o irmão mais velho, que trabalhava nas obras, depois de ter vindo de Macau, para onde tinha pedido para ir cumprir o Serviço Militar, como maqueiro, com a intenção de ficar por lá. Mas chegou à conclusão que não podia competir com os chineses

Como o negócio continuava a crescer, disse ao José se queria ir trabalhar para ele. José tinha a oportunidade de ter um horário de trabalho de 48 horas semanais. Pela primeira vez ia ter um dia de folga: o domingo

Ainda podia fazer horas extraordinárias, pagas à peça, receberia uma importância, a combinar, por cada tapete e uma mensalidade superior ao que estava a ganhar. O José ficou de lhe dar uma resposta.

Continua

 

 

22
Fev21

Vidas (15)

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Vidas

Continuação (15)

Na sequência da inspeção ao horário de trabalho, o patrão teve de o inscrever na Caixa de Previdência dos Empregados do Comércio. Assim, o José teve de tirar o Bilhete de Identidade e o Cartão de Sanidade, obrigatório para quem trabalhava no ramo alimentar

O Mundo estava, como sempre, “ a pular e a avançar”. Depois da televisão, veio a esferográfica, que para muitos pode parecer uma coisa banal. Mas, no dia em que o Diário do Governo publicou que com a esferográfica se podiam assinar escrituras e cheques, um senhor entrou no estabelecimento, com uma esferográfica na mão e o Diário do Governo debaixo do braço, e perguntou:” já sabem que se podem assinar cheques e escrituras com uma esferográfica? Foi publicado hoje no Diário do Governo, acabou-se o reinado da caneta de tinta permanente e do mata-borrão”

Duas inaugurações importante no ano de 1959. Inauguração do Santuário Nacional de Cristo Rei, em 17 de Maio de 1959. Um mar de gente invadiu a baixa de Lisboa, em direção ao rio. Durante muitas horas, os cacilheiros não pararam, para levarem a multidão para o outro lado do rio, pela noite dentro

Inauguração, do Metropolitano de Lisboa, para o público, em 30 de Dezembro de 1959, com três carruagens, parecia um comboio de brincar. Algumas pessoas, depois da primeira viagem, disseram que tinha dificuldades em respirar

Não podiam faltar as anedotas acerca do acontecimento! Uma delas era ser necessário um padre e um polícia para se poder andar de Metro. A coroa do padre e o escudo do polícia, porque o bilhete custava um escudo e cinquenta

 O primeiro self-service e o snack-bar também causaram alguma celeuma, modernices que dividiram os alfacinhas, uns não deixaram de criticar, outros aplaudiram  

Um Senhor, que tinha estado muito tempo no Brasil, passavam muitas tardes, no estabelecimento. Vivia sozinho, era uma maneira de espantar a solidão. Conversavam muito, quando estavam sozinhos, dizia-lhe que já estava apto a tomar conta duma loja, coisa que o patrão já lhe tinha prometido

Ao fim de dois anos, cheio de saudades dos pais e dos irmãos, pediu uns dias de férias e foi visitá-los. Quando regressou, esse Senhor disse-lhe que o patrão estava com receio que ele não voltasse para o Lugar de frutas e Hortaliças

O patrão continuou a prometer-lhe que abriria uma loja para ele tomar conta. O José gostava daquele espécie de namoro que havia com as freguesas e quem as atendia, aquele convívio de todos os dias

Todos os anos, em agosto, a patroa ia de férias, com os miúdos, para Vide-Entre-Vinhas, Celorico da Beira. Iam levá-los a Santa Apolónia, onde apanhavam o comboio da Beira Alta. O mês de agosto era o mais fraco para o negócio, Lisboa ficava deserta, ia tudo a banhos, e eles ficavam com mais tempo para irem ver televisão  

Os patrões foram a um casamento, e o José ficou a tomar conta do estabelecimento. Comprou e vendeu, tudo correu bem. O senhor, que passava as tardes com eles, disse-lhe que estava apto a tomar conta duma loja

Os patrões do José eram boas pessoas. Tinham uma freguesa, originária de Angola, que tinha sido trazida, para Portugal, pelos seus patrões, mas que naquela altura vivia sozinha e quase cega.

 Saía pouco de casa. O patrão do José, de vez em quando, escolhia a fruta mais madura, aquela que os olhos já não gostam de comer, e pedia-lhe para ir visita-la e levar-lhe a fruta

Todos se sentiam um pouco mais felizes, uns porque davam, e ela por ver que não se esqueciam da sua solidão. Ficavam horas a conversar, falavam de Angola, do Alentejo, de vidas duras, da pobreza, da beleza, e de como, um e outro foram arrancados da sua miséria. O José tinha pena de voltar a deixá-la sozinha, sentia o calor das suas mãos nas dele, via naqueles olhos que não viam uma imensa alegria.

Continua

 

18
Fev21

Vidas (14)

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Continuação (14)

Começou com o ordenado de setenta escudos mensais, cama e roupa lavada, foi aumentado vinte escudos de cada vez, atingindo os cento e noventa escudos

Em 1958, ainda se viam algumas carroças pelas ruas. Ao cimo da Rua da Imprensa Nacional, do lado direito de quem sobe, havia uma olaria, que mais tarde foi transformada numa loja de artigos de plástico

Foi um ano de eleições Presidenciais, em que o General Humberto Delgado terá ganho as eleições. Questionado sobre o que faria a Salazar, se ganhasse, deu uma resposta, que deve ter ditado a sentença da sua morte: “obviamente demito-o”. (em 1965, foi morto pela PIDE)

Em 1957 tinham começado as emissões regulares da televisão. Muito poucas pessoas tinham televisão, José e o patrão, de vez em quando, depois do jantar, iam ver a televisão, a um café na rua de São Marçalo. A patroa ia para o andar, os filhos deitar

Assistiram à apresentação, pelo saudoso Artur Agostinho, do novo concurso da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, as Apostas Mutuas Desportivas: o Totobola

José teve sorte com o local para onde foi trabalhar: a paróquia de São Mamede, o local onde começaram os Estudos Politécnicos, daí o nome de rua da Escola Politécnica, o Jardim Botânico, a Imprensa Nacional. E, onde viviam figuras ilustres, como o cineasta Leitão de Barros, que vivia na rua do Arco a São Mamede, o distinto cirurgião Dr. Celestino da Costa, que morava numa rua perpendicular à rua da Imprensa Nacional, um quarteirão abaixo do Lugar de Frutas e Hortaliças, em frente ao estabelecimento vivia o conde de Arrochela, que segundo o motorista, gostava de viver a noite Lisboeta

Ao colega de escola, um ano mais tarde, coube-lhe, em sorte, uma taberna, na Avenida Infante Dom Henrique

Alguns operários da Imprensa Nacional, que trabalhavam por turnos, quando acabavam o turno da noite, iam “ matar o bicho”, e, nas noites em que eram visitados pela PIDE, informavam o José de quantos tinham ido presos. Tristes tempos, em que não se podia abrir a boca!

As ruas de Lisboa, desde manhã cedo, eram inundadas de pregões: a mulher da fava-rica, as varinas, os ardinas, no tempo dos figos, a mulher que apregoava:” quem quer figos, quem quer almoçar”, o homem do ferro-velho, cujo pregão era: “ quem tem jornais, trapos ou garrafas para vender”

No primeiro andar, do prédio do estabelecimento, vivia uma idosa, sozinha. De manhã o ardina dava um género de nó, num jornal matutino e atirava-o para a varanda, à tarde o ardina passava, e ela devolvia-lhe o jornal. Certamente, no dia seguinte entregava-o como não tendo sido vendido, o que era verdade, só o tinha alugado durante o dia. O José nunca soube quanto é que ela pagava pelo aluguer. Naquele tempo, também se editavam vespertinos, e por vezes, mais que uma edição, se algum acontecimento o justificasse, o que faziam com que os ardinas não se cansassem de apregoar: última hora”

Todos aqueles criados e criadas ansiavam, por o dia em que tivessem um espaço seu, alguém que os acarinhasse. Viver vinte e quatro horas, trezentos e sessenta e cinco dias, nas casas dos patrões, cansava! Sem dias de férias, nem de descanso, apenas algumas horas, por semana ou de quinze em quinze dias, como acontecia a algumas criadas, ao domingo, das 15 às 19 horas, para namorarem

Por vezes, criados e cridas falavam dos seus problemas, como eram trados pelos patrões, limpando as lágrimas uns aos outros, confortando-se com palavras de esperança em dias melhores. Eles, na esperança de que, depois da tropa, conseguissem ir para a Polícia, Carris, Metropolitano. Elas, na esperança de que um príncipe encantado as libertasse

Algumas nunca casaram, e na velhice, quem lhes valia era a casa de Santa Zita, Santa, sua padroeira. Algumas vendiam postais, à porta das Igrejas, para ajudarem a organização

No quarteirão, do Lugar de Frutas e Hortaliças, havia um Colégio Feminino, onde andavam duas filhas de uma Senhora, que morava no Largo de Camões. A senhora começou a fazer as compras onde o José trabalhava, mas exigia grandes descontos. O patrão, de sebenta na mão, ia tomado nota do que Senhora queria e dos preços que exigia

Feitas as contas, como dizem no Alentejo, não dava a mexa para o sebo. Então, teve a genial ideia de equilibrar os descontos com um erro no total da soma. Não havia máquina registadora, era tudo somado à mão. Começou por acrescentar dois escudos e cinquenta, três ou cinco escudos, conforme os descontos que ela exigia. Estava combinado que, se descobrisse, se tratava dum erro na soma. Pagava depois de receber as mercadorias, nunca somou a conta!

Como era muita coisa, o cabaz ficava muito pesado, o patrão dizia-lhe para ir duas vezes. Mas ele não achava jeito ir duas vezes, da Rua da Imprensa Nacional ao Largo de Camões. Por isso, pedia para lhe colocar o cabaz no ombro e lá ia, descansava, colocando o cabaz em cima dos marcos do correio. A primeira paragem era no jardim do Príncipe Real, a seguir no jardim de São Predo de Alcântara, a última, na casa da freguesa, depois de subir dois lances de escada

O país estava em ebulição. Depois, do que aconteceu nas eleições presidenciais, a invasão do Estado Português da Índia, pela União Indiana. Nesses anos realizaram-se algumas procissões noturnas, da Igreja de São Mamede ao Convento do Carmo, acompanhadas por carrinhas da Legião Portuguesa, com altifalantes, cheias de Legionários 

A seguir à invasão, do Estado Português da Índia, organizaram uma procissão para evocarem Afonso Albuquerque, ao chegarem ao Convento do Carmo, gritaram: “ Levanta-te, grande Almirante Afonso Albuquerque”!  

Continua

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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16
Fev21

Vidas (13)

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Continuação (13)

Alice, o filho mais novo e a prima seguiram para casa, onde o José iria, depois do jantar, para decidir se ficava em Lisboa, ou voltaria, com a mãe e o irmão, para a sua casa

  José colocou a grade e os cestos às costas, recomeçou a caminhada para o seu destino: a Rua Forno do Tijolo, ao Príncipe Real, onde estava estacionada a camioneta, que levaria a grade e os cestos, de volta, à Praça da Ribeira

Se a Alice, em vez de ter tido aquele dramático encontro com o filho, o tivesse surpreendido a atender uma cliente, ou a dar brilho às laranjas, com um pano, não carregaria aquela dura e dolorosa imagem durante meses ou anos. Como diz o ditado: “ olhos que não veem, coração que não sente”

Quando regressou, ao Lugar de Frutas e Hortaliças, disse ao patrão, que tinha encontrado a mãe, o irmão e prima, e pediu-lhe se poderia ir despedir-se deles, depois do jantar

Mal acabou de jantar, correu para a casa da prima. Foi então, que as duas primas travaram um debate, onde esgrimiram todos os argumentos, contra e a favor da permanência do José em Lisboa, ou do regresso ao Alentejo

A mãe dizia que a prima não lhe doía o coração, porque ele não era filho dela. E perguntava-lhe se queria aquele trabalho para a filha dela. A prima dizia-lhe que era apenas uma etapa para conseguir uma vida melhor, e se ela queria que ele fosse outra vez guardar porcos. Por fim, concordaram que seria ele a decidir.

A vontade do José era ir com a mãe e o irmão, mas já tinha decidido que ficava, até por que o pai não compreenderia a sua decisão. Por outro lado, já não tinha idade para andar agarrado às saias da mãe. Tinha era de lutar pelo seu futuro, e o pior já tinha passado

A pouco-e-pouco, o José foi se habituando ao novo trabalho. Gostava do contato com as freguesas, as criadas e os colegas dos outros estabelecimentos. Ao fim de alguns meses, já as freguesas diziam, que ele era pior que o patrão, que lhes conseguia impingir tudo

Todos os dias escada acima, escada abaixo, a perguntar o que precisavam, para o almoço ou para o jantar, com as cozinheiras tinha de falar. E, elas, sempre, a avisá-lo: “ não te demores, tenho de fazer o almoço”

Alguns prédios tinham escadas de serviço, na parte de trás, todas em ferro, onde se cruzavam: o padeiro, o merceeiro, o leiteiro, o moço do Lugar de Frutas e Hortaliças, do talho, o carvoeiro …….

Falavam dos seus problemas, alguns queixavam-se de que os patrões lhe batiam. José tinha tido muita sorte, os seus, tratavam-no como a um filho, brincou muito com os eus filhos: um rapaz da sua idade, que, infelizmente, teve poliomielite, e a irmã, que tinha dois anos, quando o José foi para lá. Das 15 às 17, horas o estabelecimento tinha pouco movimento, e isso permitia que os três fossem de vez em quando, passear para o Jardim Botânico.

Era um casal muito católico, natural do Concelho de Celorico da Beira. Todos os dias, todos rezavam o terço, pela conversão da Rússia. No mês de Maio iam, à noite, à Igreja de São Mamede

José e o filho dos patrões frequentaram a catequese e fizeram a Primeira Comunhão no mesmo dia. Todos os domingos iam à missa, uns à igreja de São Mamede, outros à igreja dos Mártires, porque não podiam ir todos ao mesmo tempo.

 O estabelecimento abria todos os dias do ano. O horário afixado, para o empregado, não correspondia ao praticado: entrava às 9, saia às 13, entrava às 15 e saia às 19.

O José dormia na parte de trás do estabelecimento, onde funcionava a cozinha, e os patrões tomavam as refeições. Tomava o pequeno-almoço e almoço atrás do balcão, caso entrasse algum cliente, tinha de interromper a refeição. Só para o jantar, é que se podiam todos juntar

Os patrões dormiam num andar de um prédio mais abaixo. O patrão acordava-o ente as 5 e 6 horas, batendo à porta, quando, ainda, estava tão bem a dormir, para irem para a Praça da Ribeira

Antes das 8 horas, apanhava o elétrico, para às oito abrir o estabelecimento. O mais difícil era arrancar do chão, a porta ondulada de ferro, muito pesada, e eleva-la até à sua altura, depois era mais fácil empurra-la até acima. O patrão dizia-lhe para pedir a quem passa-se para o ajudar, mas ele não se setia à vontade, para fazer esse pedido, e àquela hora passava pouca gente, só uma vez pediu a um rapaz que o ajudasse

Uma manhã, pelas oito e meia, entrou, no estabelecimento, o fiscal do horário de trabalho, multou o patrão em duzentos escudos, muito dinheiro! José trabalhou lá 4 anos, e o seu ordenado nunca atingiu esse valor.

Continua

 

 

12
Fev21

Vidas (12)

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Continuação (12)

Entretanto, o patrão do José aproveitou a Feira do Ameixial, para vender as vacas e os bezerros. Acabadas as férias na Califórnia, voltou para casa, onde já estava o irmão, por ter tido alta do Hospital de São José. Foram os últimos dias, juntos, naquela casa. Passados uns dias, apareceu outro patrão. Desta vez, de uma localidade, no outro lado da Ribeira, no Algarve. Francisco disse-lhe que o filho ia guardar os porcos, mas que estava à espera de uma carta, para ele ir para Lisboa. Assim que chegasse, iria lá busca-lo imediatamente. A ceifa estava quase a começar, nesse ano a ceifa começou em Maio

A dez dias do fim do mês, quase ao fim do dia, estava o José, descontraído, a olhar pelos porcos, para que não comessem o trigo, quando avistou o pai, ao longe. Adivinhou o motivo da visita, Ficou feliz, mas ao mesmo tempo com receio do desconhecido

O pai chegou cansado, ainda eram uns bons quilómetros, não se demorou e seguiram para casa, queria que o filho tivesse tempo para descansar, porque no outro dia tinha de seguir para Lisboa

Aproveitou, enquanto caminhavam, para lhe enumerar todas as vantagens de ir para Lisboa. Sabia que a Alice não concordava que o filho fosse para tão longe, queria-o por perto, para vê-lo

No dia seguinte, levantaram-se cedo, ainda eram uns quilómetros até à Dogueno, primeira paragem, no Alentejo, da camioneta que fazia a carreira Faro, Lisboa. A prima tinha pedido para levar um laço, no bolso do casaco, para quando fosse esperá-lo, a Cacilhas, ser mais fácil o encontro

Quando se despediu, a mãe agarrou-o contra ela e não o deixava, até que o Francisco disse que tinham de se ir embora, senão perdia a camioneta. O José estava tão emocionado, que se esqueceu de despedir-se da irmã. A mãe disse:” não te despedes da tua irmã”! Voltou atrás e despediu-se da irmã. Parecia que a mãe estava com vontade que perdesse a camioneta

Eles a chegarem e a camioneta a aparecer do lado esquerdo, apressada. Francisco pediu ao condutor e ao cobrador se podiam tomar conta dele até Cacilhas, onde a prima o esperava

Almoçaram em Ferreira do Alentejo, onde as camionetas se cruzavam: a que vinha de Beja com a de Faro. Havia uma plataforma, onde as camionetas eram encostadas, para ser mais fácil e rápido trocar as bagagens e as mercadorias, expedidas. Naquele tempo, as camionetas tinham uma plataforma, no tejadilho, onde carregavam muitas mercadorias e bagagens, que eram presas com uma rede  

Quando o José saiu da camioneta e viu aquele casario, em cima do rio, ficou assustado. Em vinte e quatro horas tinha deixado o campo, e passado para a grande cidade. Foi uma mudança muito brusca

Pouco depois, chegou a prima dele, entraram no Cacilheiro e atravessaram o Rio. Tinha sido um dia muito intenso: todas as terras por onde a camioneta passou, passageiros a entrarem e saírem, aquele grande rio, finalmente a grande cidade. Caminharam a pé, pela avenida 24 de Julho, viraram para a rua São Bento, chegaram à rua dos Prazeres, paralela à rua de São Bento, onde a prima morava. Estava uma tarde maravilhosa, cheia de sol

No dia seguinte, subiram a rua da Imprensa Nacional, até ao Lugar de Frutas e Hortaliças, para onde ele ia trabalhar.  A futura patroa, disse para a prima dele: “ mais um para eu acabar de criar”

Quando o patrão chegou das compras, foram saber o que as freguesas necessitavam, apontavam num role, a seguir iam entregar-lhes o que tinham encomendado

No dia seguinte, o José foi sozinho, não foi fácil dar conta do recado. Por vezes, tocava na campainha errada. Pedia desculpa, continuava a sua tarefa de saber o que é que as freguesas queriam

Os primeiros dias, os primeiros meses foram muito difíceis. Os patrões eram do Distrito da Guarda, por vezes não se entendiam, parecia que estavam a falar línguas diferentes. As freguesas estavam, constantemente a emendá-lo, dizendo-lhe que não era lete, que era leite, que não era mantega, que era manteiga. O que fez com que tentasse pronunciar corretamente as palavras

Dois ou três meses depois, a mãe foi, a Lisboa, a uma consulta com o outro filho, na qual, os médicos decidiram que não o voltavam a operar. Quando se dirigiam os três, para verem o José, no Lugar de Frutas e Hortaliças, encontraram-no na rua da Escola Politécnica. Foi um encontro dramático, José caminhava debaixo de uma grande grade de madeira, onde, todos os dias, eram transportadas as hortaliças, dentro da grade vários cestos de fruta vazios, para serem devolvidos aos produtores. O José não se via, parecia que a grade e os cestos caminhava sozinhos. A Alice, ao ver o filho com a enorme grade às costas, disse que o levava com ela. A prima disse-lhe para, depois do jantar, ir a casa dela, para se despedir da mãe.

 

Continua

  

 

 

    

  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

   

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  

   

    

 

 

 

    

11
Fev21

Vidas (11)

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Continuação  (11)

Francisco, assim que pôde, foi a Santa Cruz. Disse ao patrão, do José, que era um mentiroso, que devia estar habituado a fazer dos pobres gato-sapato, mas que com ele se tinha enganado! Que tomasse conta dos porcos, porque o seu filho não era mais seu criado

José foi com o pai, para casa, por mais uns dias, não muitos, porque apareceu um Senhor que tinha duas vacas e dois bezerros, precisava dum rapaz para, os animais, guardar

Estava a fazer uma casa na Califórnia, um Monte situado na margem esquerda da Ribeira do Vascão. Não morava lá, uma vez que casa ainda estava em construção

José adorava aquele sítio, por estar junto à Ribeira, onde com outros rapazes se entretinham na brincadeira. As vacas e os seus filhos davam pouco trabalho

Nas horas de maior calor estavam presas, e ele ou ia para a Ribeira, ou montar armadilhas para apanhar perdizes. Não conseguiu apanhar nenhuma!

Foram meses maravilhosos, de liberdade e brincadeira. Os caseiros eram boas pessoas, queriam era que cumprissem com as obrigações, para que quando o patrão fosse lá, não ter nada a dizer

Depois de debulhado o trigo, foram dormir para a eira. As eiras, normalmente, situavam-se nos pontos altos, onde há mais vento, para limpar o trigo, que consistia em atirar ao ar, com uma pá de madeira, a palha e o trigo, como a palha é mais leve ia para mais longe, e assim se limpavam toneladas de trigo, durante a debulha

Adormeciam a ver as luzes dos carros, no ziguezague das curvas da Serra do Caldeirão, na estrada nacional, 2, com a lua a adormecer as estrelas e a liberdade de dormirem ao relento

José nem sabia que havia a tradição das chocalhadas! Os colegas, ao meio dia, do dia da chocalhada, informaram-no de que à noite iam fazer uma chocalhada, porque um casal tinha-se separado e voltado a juntar-se

Lá foram, com um ou dois chocalhos dos animais que andavam a guardar. Ainda caminharam um bom bocado até chegarem à casa onde vivia o casal, deram três ou quatro voltas à casa, fazendo uma barulheira infernal, com receio da reação dos visados, quando passavam na direção da porta, afastavam-se. Não houve reação, mas eles ficaram contentes por manterem a tradição

Uma notícia muito triste veio pôr fim àqueles meses de alegria. O irmão, mais novo do que ele, quatro anos, tinha caído da burra e fraturado o braço esquerdo. O pai levou-o para o Monte Mor-O-Novo, onde havia um famoso endireita. Mas, este disse-lhe que tinha de ir com o filho, para o Hospital. Foram para o Hospital de São José, onde o António ficou quase seis meses. Sujeito a várias operações, que não conseguiram fazer com que endireitasse e fechasse o braço, completamente

Francisco escreveu uma carta a uma prima da Alice, que vivia em Lisboa, pedindo-lhe se poderia ir visitar o filho, para que não se sentisse abandonado

Quando o António teve alta, ficando de voltar uns meses depois, para os médicos decidirem se lhe fariam nova operação, Francisco foi visitar a prima, agradeceu-lhe o apoio que tinha dado ao António, e aproveitou para lhe pedir se não arranjaria um emprego para o José, que já tinha feito a quarta classe

Ela disse-lhe que ficasse descansado, porque conhecia diversos donos de estabelecimentos, que estavam constantemente a admitir rapazes, para os ajudarem. Assim, que conseguisse arranjar alguma coisa, o contataria.

 

Continua

 

 

08
Fev21

Vidas! (10)

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Continuação (10)

 

José ficou algum tempo a saborear a liberdade de não saber o que ira fazer. Não foi por muito tempo, porque um vizinho, que tinha 4 ou 5 ovelhas, sem ter quem as guardar, propôs uma parceria ao Francisco: o José guardava as ovelhas, e os filhos que tivessem eram divididos pelos dois

Uma vizinha quando estava à porta, e ele passava Monte abaixo, atrás das ovelhas, dizia: “ andaste tu a estudar, para agora andares a guardar ovelhas”. José nunca lhe respondeu, seguia o seu caminho, na esperança de que um dia o vento mudasse

Ao fim do dia, quase todos os dias, juntava-se a um pastor, já com idade para se reformar, mas como o rebanho era dele, não achava jeito em o deixar. Dava-lhe o que tinha sobrado do seu almoço, para ele lanchar: pão com azeitonas, ou toucinho. Ambos gostavam daqueles encontros diários, falavam dos seus problemas e do que os rodeava

No inverno, um dia muito chuvoso, cruzaram-se logo de manhã, arranjaram um abrigo e mantiveram as ovelhas num espaço, onde havia uma planta, que podia não ser muito bem tolerada, pelos borregos, e ainda menos molhada: a alfavaca-dos-montes

Na manhã seguinte, quando se preparava para soltar as ovelhas, apercebeu-se que dois borregos tinham morrido. Sentiu-se culpado por o que tinha acontecido, devia ter ido para outro local, mas preferiu abrigar-se da chuva e estar todo o dia na conversa com o pastor

Foi dizer à mãe o que tinha acontecido, que lhe disse onde o pai estava a trabalhar, para o ir informar, para que os esfolasse e aproveitassem a carne, uma vez que tinham morrido de congestão, não tendo perigo para o consumo humano

Francisco não ralhou com o filho, mas disse-lhe que a parceria tinha acabado. A partir daquele dia, José estava desempregado, sujeito a qualquer momento ter de ir trabalhar para outro lado, o que implicava deixar a sua casa, deixar de ter contato diário com os irmãos e os pais

Foi o que aconteceu, passados alguns dias apareceu o primeiro patrão. José passou a ir a casa, só de visita. Foi o segundo corte umbilical. Com apenas dez anos perdeu, para sempre, o contato diário com os pais e os irmãos. Sentiu-se do afastamento, ter de viver em casas de pessoas, que não conhecia, como um intruso, sem carinho, apenas com a indiferença com que tratavam os criados

Um Senhor, que viva na sede da sua Freguesia, Santa Cruz, convenceu Francisco a que deixasse ir o filho guardar-lhe os porcos. Francisco não estava com muita vontade de o deixar ir, e foi dizendo que estava a ver se arranjava maneira de que fosse fazer a admissão ao Liceu. Ao saber do que o Francisco, para o filho, queria, o Senhor jugou a sua cartada, dizendo que na sua casa vivia a Professora Primária, que lhe daria explicações para fazer a admissão ao Liceu

Foi com uma falsa promessa, que o José foi arrancado do seu lar, para ir trabalhar. Lá foi, para Santa Cruz, para os porcos guardar, mais tarde ou mais cedo tinha de ser, o seu berço perder

O seu patrão e outros Senhores, de Santa Cruz, queriam implantar uma feira na sede da Freguesia. Para tentarem atrair os negociantes, ordenaram aos criados para que todas as quartas-feiras levassem os porcos, as vacas, as ovelhas, os machos, as mulas, as éguas, os cavalos, as burras e os burros para um largo à entrada da Freguesia

As semanas foram passando, mas os negociantes não apareceram, o sonho morreu, a ideia não deu, mas em alguns locais, foi assim que a feira nasceu

 Passado um mês ou mais, José estava com tantas saudades dos pais e dos irmãos, que, depois do jantar, disse ao patrão que ia visitá-los. Estava luar, meteu os pés ao caminho, deviam ser uns cinco quilómetros ou mais. Foi uma alegria voltar a vê-los, mas não se pôde demorar, porque tinha de voltar, para no outro dia trabalhar.  O pai perguntou-lhe se a Professora já lhe tinha começado a dar as explicações para a admissão ao Liceu. O José disse-lhe que ela nem sequer lhe dava os bons dias e boas noites. Francisco ficou irritado por ter sido enganado. Era uma pessoa muito séria. Educou os filhos, dizendo-lhes para não mexerem no que não era deles, nem fizessem aos outros o que não gostassem que lhes fizessem

Quando se despediram, disse-lhe que quando pudesse iria falar com o patrão dele.       

 

Continua

 

 

05
Fev21

Vidas (9)

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Continuação (9) 

Finalmente chegou o dia de irem para Mértola, para fazerem o exame da quarta classe. Um dia muito desejado, mas ao mesmo tempo, muito receado, porque era o fim de uma longa caminhada 

Mértola, a eterna princesa do Guadiana, esperava pelos jovens de todo o Concelho, que queriam participar na grande festa de conseguirem terminar os quatro anos de escolaridade obrigatória com a obtenção de um diploma

O Guadiana, estrada por muitos povos utilizada, porto de exportação dos cereais e minério, entrada de mercadorias vindas do mediterrâneo, que seguiam rio acima até Mértola

Mértola, um presépio debruçado sobre o rio, com o seu árabe casario, transformada num enorme Museu, a céu aberto

Uma semana ou mais para fazer o exame da quarta classe! Ao José, acompanhou-o a mãe, ficando o Francisco com os outros dois filhos, de 3 e 6 anos, um grande esforço para a família

Não tinham dinheiro para pagarem uma pensão, valeu-lhe a bondade dum militar, reformado, da Guarda Nacional Republicana, que lhes cedeu uma casa que não estava a ser habitada

Faziam as necessidades para um balde, para ser despejado, por um funcionário da Câmara Municipal de Mértola, numa carroça, que tinha aspeto de ser feita de zinco

Ainda estávamos longe das redes de esgotos e estações de tratamento de resíduos

Estavam a começar as fundações da ponte que une as duas margens do Guadiana, em Mértola

A professora, que residia perto do Castelo, todos os dias se reunia com os seus três alunos, na esplanada dum café, perto da Praça, dando-lhes os últimos conselhos para o exame

No início da semana fizeram a prova escrita, depois tiveram de esperar uns dias pela prova oral

José passava os tempos livres na Praça, de onde há uma vista panorâmica sobre o rio. Encantava-o o baloiçar do barco que fazia a carreira entre Mértola e Vila Real de Santo António

Do outro lado do rio havia uma grande moagem, servida por uma barcaça, que andava todo o dia de um lado para outro, levando trigo para a moagem e transportando farinha para a outra margem

José e o colega combinaram tentar ir ver a moagem. Um dia, já ao fim da tarde, aproximaram-se da barcaça atracada, pediram ao Senhor que a manobrava, se os podia levar, porque gostavam de ver como funcionava a moagem. O senhor disse que sim, mas disse-lhes que só voltava à noitinha, quando acabava o trabalho. Disseram que estava bem e agradeceram-lhes por os levar

As mães, vendo que não regressavam a casa, percorreram toda a Vila, à sua procura, e nada! Desesperadas, encaminharam-se para o rio, ao verem-nos, os seus corações respiraram de alívio

Deram-lhes um grande raspanete, mas abraçaram-nos como se tivessem passado anos sem os verem. Mãe, muito sofre!

Finalmente chegou o dia da prova oral, já estavam saturados da Vila, queriam acabar com aquela espera, saber se ficavam aprovados, pôr fim aquela ansiedade, voltar para as suas casas

José foi o primeiro a ser chamado ao quadro, os professores ainda estavam a pôr a conversa em dia, não chegava ao quadro, mas não dizia nada, estava à espera que os professores olhassem para ele, até que um professor olhou e disse: “ não chegas ao quadro? Já pomos aí um banco”

Depois, enquanto esperavam pelos resultados, as mães tentavam acalmares-lhes a ansiedade. A grande moda eram as meias de vidro. Era grande o contraste entre as mulheres do campo e as da Vila, umas de meias de linha e outras de perna à vista, um grande avanço devido à segunda guerra mundial

Assim que os resultados foram afixados e fechados na vitrina, todos a rodearam para confirmarem se à frente do nome estava a palavra apurado. Foi uma alegria imensa! As mães estavam tão orgulhosas dos seus frutos

No outro dia, quando regressaram a casa, Francisco felicitou o filho. A mãe estava tão contente, que queria era dar-lhe um presente, uma recordação

Tirou duma prateleira um tinteiro vazio, um frasco quadrado, de vidro, com um gargalo redondo, e deu-lhe como prémio por ter ficado aprovado

Foi a melhor prenda que lhe deram, por ter sido dada com tanto carinho. A mãe estava triste por não ter mais nada para lhe dar, mas ele agradeceu-lhe e disse-lhe que era lindo. 

Continua

 

 

 

 

 

 

 

  

   

    

 

 

 

04
Fev21

Vidas (8)

cheia

Continuação (8)

A terceira classe, terceira professora, três professoras em três anos! Na terceira classe havia exame para passar para a quarta classe. No seguimento das anteriores, esta professora, também queria que os seus alunos fizessem boa figura.

Numa tarde, depois de entrarem, após o intervalo para o almoço, a professora apercebeu-se que estava a cair neve, foi à rua certificar-se do que estava a ver, correu para a sala de aulas, dizendo : “agarrem nas vossas coisas e corram para casa. Não se entretenham a brincar com a neve, porque está a nevar muito, o que pode provocar muita dificuldade para chegarem a casa”

No dia seguinte estava tudo branquinho: telhados, campos, o que fez com que Francisco tivesse de ir cortar uns ramos de oliveira, para a cabra comer. Estávamos em 1954, o ano em o país ficou pintado de branco de alto-a-baixo  

Pouco antes do ano escolar acabar, a professora foi incumbida de fazer uma lista dos alunos mais pobres, para irem uma semana de férias, para a beira-mar, junto a uma praia

A professora disse-lhe que o nome dele fazia parte da lista. Dias depois, informou-o de que o seu nome tinha sido riscado, pelo Regedor, por o pai não apoiar o Salazar

José ficou muito revoltado, já sonhava com o mar, as brincadeiras com os colegas e com a praia. Parece que para os pais não foi grande surpresa, mas não deixaram de mostrar a sua indignação!

Francisco, não falava de política! Mas, ao contrário de outros pais, não tirava o filho da escola, para ir guardar as bestas, dos Senhores, quando começava aceifa

Dizia que ali ninguém passava da cepa torta. Por isso, tudo faria para que os seus filhos fossem para lisboa

Quando o ano escolar estava a terminar, foram a São Miguel do Pinheiro, para fazerem o exame da passagem para a quarta classe. Acabaram o exame e saíram, uma rapariga mais velha que ele, de quem gostava muito, e ela dele, correu para ele, dizendo que não tinha feito os problemas, estava tão nervosa que se esqueceu de tudo. Ele tentava acalmá-la, quando surgiu o pai dela 

Leu-o lhe a sentença:” não voltas para a Escola, estás uma mulher, vais trabalhar.” Ela, lavada em lágrimas, pediu-lhe que a deixasse ir mais um ano, queria, pelo menos, fazer a terceira classe, mas ele estava irredutível, agarrou-lhe na mão e seguiram para casa, nem tiveram tempo de se despedirem! José ficou com os olhos pregados nela, até deixar de os ver, nunca mais se viram!

Agradeceu ao pai, mentalmente, por ele ser diferente e dizer sempre que os estudos eram o mais importante para os seus filhos

No início do último ano escolar, regressou a professora do segundo ano, a Senhora da telefonia sem fios. Já a conheciam, sabiam que iria ser muito exigente com os três, que chegaram à quarta classe: dois rapazes e uma rapariga. Dos que entraram no início da Escola, só dois chegaram à quarta classe. A rapariga viera de outra Escola, depois de ter feito os dois primeiros anos

Nos dois últimos meses, a professora deu-lhes aulas aos sábados e domingos, queria que estivessem bem preparados para o exame a realizar na sua Vila, onde todos a conheciam

 Num sábado, deixou-os na sala de aulas e saiu. Eles fizeram trinta por uma linha: escreveram no quadro, saltaram por cima das carteiras, partiram um tinteiro. Quando regressou e viu a sala de aulas naquele estado, deu-lhes doze palmadas em cada mão e mandou-os sair

José, que morava ao lado da Escola, entrou em casa a esfregar as mãos, sentou-se à mesa, mas não pegava no garfo, fazendo com que a mãe preguntasse o que tinha acontecido. Mas o José continuava sem querer dizer o que tinham feito.

Continua  

 

 

 

 

  

 

 

   

 

 

   

  

 

    

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

02
Fev21

Vidas (7)

cheia

Continuação  (7)

O segundo ano letivo começou noutro Monte, noutro edifício, com outra professora, que lhes lecionou a segunda e quarta classes. O José ficou com mais tempo para ajudar os pais, nos trabalhos do campo. Tinha um balde de cinco litros, para ir regar as batatas, que o pai semeava junto ao ribeiro que ladeava a courela

João, ao contrário de outros pais, sempre disse que a Escola era o mais importante para os seus filhos, nunca tiraria os filhos da Escola para os ajustar aos latifundiários, para guardarem as bestas ou fazer quaisquer outros trabalhos, queria era que os seus filhos continuassem a estudar para além da quarta classe

Quando o filho ficou aprovado no exame da terceira classe, perguntou-lhe se gostava de ir para padre. José, que nunca o contrariava: ”disse-lhe que gostava”

De tempo a tempo repetia a mesma pergunta e a resposta era sempre a mesma. Decidiu contatar o Seminário para saber as condições de ingresso. Responderam-lhe que teria de pagar quatro mil escudos para o enxoval, o que fez com que essa hipótese não fosse viável. Mas, João nunca desistiu de procurar outras oportunidades para que os seus filhos pudessem continuar a estudar

A nova professora também estava determinada a fazer tudo o que pudesse, para que os seus alunos não ficassem atrás dos da professora oficial

Ao contrário da primeira professora, que nunca pediu aos alunos para lhe irem fazer as compras, pedia a dois alunos, de vez em quando, para irem, a São Pedro de Solis, comprar bacalhau e outros produtos. Pedia aos que moravam perto da Escola, uma vez que estes recados eram feitos depois das aulas, e os dos outros Montes ainda tinham de andar alguns quilómetros para chegarem a casa

Como nunca tinham comido bacalhau, de uma das vezes, o papel pardo, que o embrulhava, estava rasgado, aproveitaram para tirar uns bocadinhos, com muito cuidado, para que não se percebesse que tinha sido mexido, para provarem

Quando regressou das férias da Páscoa, a professora trouxe uma telefonia sem fios (TSF). Mostrou-a e ligou-a pouco antes das 13 horas, no intervalo para almoço, e disse que podiam ficar um pouco a ouvir. Estava sintonizado na Rádio Clube Português, que às 13 horas transmitia o programa dos Parodiantes de Lisboa, José fixou a piada de abertura e repetiu-a em casa, a mãe disse-lhe que se calasse, porque aquelas coisas não se diziam. Mas, o que o intrigava era de onde é que vinham aquelas vozes, se as pessoas não cabiam dentro da telefonia!

Mais tarde a professora explicou que as vozes eram transmitidas por ondas, que a antena do rádio captava. A explicação não os conseguiu convencer totalmente. Já era difícil acreditar, que por aqueles arames, presos às canecas de porcelana, que os homens andavam a esticar naqueles postos altos à beira das estradas, se pudesse falar, com outras pessoa, a que chamavam falar ao telefone, quanto mais uma caixa sem fios

Num dia de muita chuva, uma rapariga, que morava mesmo defronte da Escola, esteve toda atarde a namorar, quando entraram depois do intervalo do almoço, já eles estavam do lado de dentro da porta, mas com esta, toda aberta, para que quem passasse visse o que estavam a fazer. Quando não estava a chover, o rapaz ficava da banda de fora da porta

Quando estava quase a anoitecer, o rapaz saiu para avaliar o tempo, tinha deixado de chover, o Francisco acabava de chegar dos lados da ribeira do Vascão, que o rapaz tinha de atravessar para ir para casa, aproveitou para lhe perguntar se sabia como ia a ribeira. O Francisco disse-lhe para não se meter ao caminho, porque a ribeira leva um metro de água por cima das passadeiras

O rapaz mostrou-se preocupado, não podia dormir na casa da namorada. O Francisco ao aperceber-se da situação do rapar, disse-lhe para não se preocupar, jantava em casa dele, e tinha um palheiro onde ficar. Assim foi, no outro dia o rapaz meteu-se ao caminho

Já naquele tempo os jovens não queriam ficar nas suas terras, por não terem futuro. As raparigas estavam ali “presas” à espera que aparecesse um príncipe que as desencantasse e levasse para Lisboa, para França, Luxemburgo, Suíça, o que acontecia, quando saíam da tropa.

 

Continua

 

 

 

 

 

 

    

 

 

 

 

  

  

 

 

   

 

 

   

  

 

    

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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