A Dor
O cais pintado de negro
O rio alteroso
As ruas desertas
A manhã chorosa.
A guerra no horizonte
O barco atracado à ponte
O vento a assobiar no monte
O sol escondido de vergonha.
As mães desesperadas
Os filhos criados
A guerra a roubar-lhos
Os soldados conscientes.
As namoradas inconformadas
Com o cheiro a morte no ar
A putrefacção dos corpos viçosos
A substituir o perfume dos vinte anos.
O monstro de bojo cheio
A afastar-se do cais
Os olhos rasos de sais
Todo o porto aos ais.
Os órfãos a gemerem
Por lhes matarem os pais
O país doente
O futuro sem semente.
A multidão atracada à dor
De olhos cerrados
A sonhar com o regresso
De braços estendidos
A desviarem o ar
Que lhes massacra os sentidos.